Saint-Exupéry com uniforme da Força Aérea Francesa
pouco depois de ser mobilizado na Segunda Guerra
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Suas
reportagens sobre a guerra espanhola ressaltavam os sofrimentos das crianças,
encurraladas numa engrenagem cega e mortífera, com uma insuportável percepção
da destruição que, na sua opinião, ameaçava o resto da Europa. Essas imagens de
crianças mártires determinaram sua escolha quando, durante a guerra, rejeitou a
França livre de Charles de Gaulle, porém sua aversão à violência militar era
bastante anterior à guerra da Espanha.
Nos
anos 30, Saint-Exupéry passou bastante tempo em companhia de pacifistas
intransigentes, como Henri Jeanson e Léon Werth, e é provável que tivesse
alegado objeção de consciência se não tivesse estudado bem de perto o sistema
nazista, que o convenceu de que a força era inevitável para enfrentar um regime
totalitário. Esteve duas vezes na Alemanha para tentar compreender a ditadura
hitlerista; oriundo de uma tradicional linhagem de militares, foi o primeiro a
entrar na guerra para combater uma ideologia ignóbil em vez de inspirar-se num
patriotismo cego e revanchista. Sua primeira viagem ocorrera no verão de 1937,
quando foi a Berlim no seu Simoun. Sua passageira, Nelly de Vogüé, escreveu que
seu objetivo tinha sido descobrir o tipo de homem produzido pela doutrina
nazista.
No
entanto, não se tratava de uma pesquisa teórica. Saint-Exupéry foi detido ao
chegar a Wiesbaden, suspeito de espionagem por ter sobrevoado o campo militar
de Kassel. Foi solto graças a uma intervenção diplomática, porém permaneceu
preso um dia inteiro; seu avião foi vigiado por 50 jovens suboficiais. Quando
finalmente foi autorizado a decolar, dirigiu o Simoun em picada sobre o grupo,
e passou raspando por suas cabeças.
De
acordo com Nelly de Vogüé, os jovens alemães ergueram os braços para fazerem a
saudação nazista, e foi possível ouvir claramente na cabine o Heil bradado por
eles. Mais tarde, num bar às margens do Reno, onde se detiveram para beber vinho,
Saint-Exupéry tentou convencer uma jovem alemã das contradições inerentes ao
nazismo, que, na sua opinião, acabariam por destruir os valores que pretendia
respeitar. Após seu regresso, a inevitabilidade da guerra tornou um dos seus
principais temas de conversação, particularmente durante um tratamento médico
em Vichy, em setembro de 1938, um pouco antes da crise de Munique.
Preocupava-se
com a credulidade popular nas propostas de paz, e por essa razão realizou outra
viagem à Alemanha, muito mais longa dessa vez, em fevereiro de 1939, enquanto
estava absorvido pela releitura das provas de Terra dos Homens e por transações pelo correio com Lewis
Galantière, encarregado da tradução americana.
Essa
excursão foi muito mais arriscada que a anterior. Como viajava de carro, Saint Exupéry
constantemente tinha de enfrentar ameaças militares e políticas. Entretanto,
comoveu-se menos com o ruído provocado pelos comboios armados, que passavam
pela frente do seu hotel, do que com o espetáculo das Juventudes Hitleristas
desfilando em Nuremberg, diante de um café onde estava sentado. Percebendo o ar
preocupado de Saint-Exupéry, uma mulher que trabalhava no bar aproximou-se dele
e disse: “Olhe, meu filho está lá no meio. Eles os pegam quando ainda são bem
pequenos. Depois disso, eles não são mais nossos filhos. Não há mais nada a
esperar deles.”
A viagem fora planejada por Otto Abetz, que
logo mais seria embaixador da Alemanha em Paris sob a ocupação. Ele organizou
para Saint-Exupéry, bem como para outro escritor francês, Henry Bordeaux, uma
visita à Führerschule, onde eram
formados os jovens dirigentes do III Reich. Saint-Exupéry sentiu-se tão repugnado
com a propaganda e a disciplina que declarou a Otto Abetz: “O tipo de homem que
vocês formam não me interessa”.
Depois
disso, escreveu que detestava o nazismo que teria mandado internar Cézanne e
Van Gogh em campos de concentração e produzia gerações de gado submisso. Sabia
intuitivamente que, num regime totalitário, os inconformistas como ele seriam
condenados. O recrutamento e doutrinamento de crianças, comuns no nazismo,
bastam para explicar o desprezo de Saint-Exupéry pelos regimes extremistas,
porém sua análise das insuficiências da III República perdia clareza quando
começava a debater as mudanças do sistema de governo.
Seu
interesse pela política interna fora despertado, como ocorrera com muitos
franceses, pelas manifestações de fevereiro de 1934, nas quais a extrema
direita francesa ameaçara instaurar uma forma de ditadura. Pela primeira vez,
devido a esses acontecimentos, Saint-Exupéry manifestou seu desprezo por uma
cruzada suscitada essencialmente pelas forças monarquistas que ele tanto admirara
na infância.
Nunca
sentiu a tentação de se unir à causa fascistóide, que reunia os monarquistas intolerantes
da Ação Francesa de Charles Maurras e o movimento de antigos combatentes da
Grande Guerra, os Cruz de Ferro, sob a égide do coronel François de La Rocque.
A campanha dos Cruz de Ferro contra a democracia causou um desentendimento com
Jean Mermoz, que se aliou à causa do movimento populista. A aversão de
Saint-Exupéry por de La Rocque devia-se, em parte, ao seu discurso vazio e
demagógico. Com frequência Antoine o imitava para zombar dele, o que irritava
Mermoz, sempre seduzido pelo anti-republicanismo até desaparecer no Atlântico a
bordo de um hidravião, em 1936.
O
desprezo de Saint-Exupéry pelos ultraconservadores também causou sua única briga
conhecida com a irmã Simone. Durante um jantar com amigos, Saint-Exupéry foi
acusado de ter escrito um artigo a favor da Indochina francesa para um jornal
notoriamente fascista e antissemita, Gringoire.
O texto era assinado por S. de Saint-Exupéry, e Antoine compreendeu que fora
escrito por Simone, que, na época, trabalhava como arquivista em Saigon.
Segundo André de Fonscolombe, que participava do jantar, Saint-Exupéry,
furioso, saltou sobre o telefone e ligou para a irmã a fim de censurá-la: “Você
não tem nenhum direito de utilizar meu nome dessa forma”. Ele ficou particularmente
transtornado devido a sua amizade com Léon Werth, autor de um livro que
condenava a política colonialista da França na Indochina, e que tinha atraído a
ira antissemita do Gringoire.
Embora
Saint-Exupéry rejeitasse o extremismo, não pôde evitar sentir um certo fascínio
pelas novas teorias de governo e de gestão econômica, tendo demonstrado mesmo
uma certa indulgência com relação ao comunismo, até o momento em que condenou o
regime soviético por seu dogmatismo. Suas teorias pessoais a favor de um novo
sistema econômico, com as quais tentava convencer Werth e outros amigos, eram
decorrentes de sua associação com Gaston Bergery, uma das ovelhas negras de um
grupo parlamentar de esquerda, que mais tarde se aliaria ao regime de Vichy.
Como o pacifismo do grupo de Bergery assumiu uma forma muito rígida,
Saint-Exupéry afastou-se dele bem antes de 1939.
No
entanto, nada nos livros de Saint-Exupéry evidencia um engajamento republicano,
nem simpatia pelos ideais da Revolução, embora confirmasse sua fé num sistema
democrático ao se negar a apoiar o projeto de De Gaulle de estabelecimento de
um governo não eleito. Inevitavelmente, seu inconformismo sempre fazia com que
ficasse de fora, e nunca encontrou uma convicção política tradicional tão forte
que conseguisse substituir o monarquismo familiar, assim como nunca descobriu
uma doutrina religiosa capaz de substituir o catolicismo.
Não
se sentia atraído por nenhum dos partidos políticos de sua geração e
desconfiava das ideologias. Considerou-se obrigado então a elaborar um código
pessoal de princípios, às vezes excêntrico, que tinha a intenção de desenvolver
em Cidadela. Um estudo dessa obra inacabada revela como é difícil situar
Saint-Exupéry numa posição política identificável, apesar de o tema principal,
organizado em torno de um ditador esclarecido e paternalista, pudesse ser interpretado
como uma justificação do pétainismo se tivesse sido publicado sob o regime de
Vichy.
Em
Cidadela já não se trata da partilha do poder entre o chefe e seu povo, mas de
uma forma de governo justa e tolerante nas mãos de um soberano hereditário. É
difícil acreditar que Saint-Exupéry não fosse consciente da contradição entre
essa ideia utópica e os abusos de poder dos ditadores da época. Tem-se a
impressão de que Saint-Exupéry tentava ressuscitar sua fé juvenil num Deus protetor
e infinitamente sábio.
Contudo,
o contexto é outro e refere-se indiretamente às questões políticas daquele
período, especialmente à discriminação racial, fazendo pensar que a análise de
Saint-Exupéry teria evoluído com os acontecimentos. Ele calculava que
precisaria de pelo menos dez anos para polir o livro, que frequentemente
chamava de obra póstuma.
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