terça-feira, 13 de junho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 49


            Saint-Exupéry fez diversas alusões à sobrevivência de Guillaumet nos Andes, ao descrever sua própria aventura. Contra toda lógica, dirigiu-se para o leste após o acidente, pois esta fora a direção escolhida pelo amigo ao sair da lagoa Diamant. Se realmente acreditava ter atravessado o Nilo, o leste o levaria para a região desértica do Sinai e, no entanto, ele tinha a impressão de que essa era a direção da vida. Nos dois homens, a vontade de sobreviver vem do amor que sentem pelas esposas. Guillaumet recuperava forças olhando as fotos da mulher Noëlle, que trazia consigo. Saint-Exupéry resistiu à tentação de deitar-se para esperar a morte ao pensar no olhar de Consuelo. “Revejo os olhos de minha esposa. Não verei nada além desses olhos. Eles me chamam... Eu respondo! eu respondo! eu respondo com todas as minhas forças. Não posso arremessar na noite chama mais brilhante!” Para ele, que sabia que “cada segundo de silêncio assassina um pouco os que amo”, os olhos eram um chamado de socorro.

            Essas são palavras apaixonadas, uma confissão pública de que a esposa era o centro de sua vida. Também era uma confissão que só podia ser compreendida pelos amigos íntimos, que não ignoravam que, entre 1936 e a publicação de Terra dos Homens em 1939, o casal tinha sido destroçado com reiteradas rupturas. Os melhores amigos de Antoine suspeitavam que sua vida conjugal era muito difícil, a tal ponto que um dia ele afirmou a Consuelo que “precisava de férias de marido”. Ela repetiu essa afirmação num programa radiofônico, em 1954.

            A queda no Egito não melhorara os problemas materiais do casal nem tornara mais fácil a vida na rue Chanaleilles. Em fevereiro de 1936 eles se mudaram para o hotel Lutétia, no Boulevard Raspail. Consuelo revelou à sua confidente Suzanne Werth que a primeira noite no Lutétia era “o fim ou o começo de tudo”. “Conversei muito amigavelmente com Tonio sobre a separação, que tornaria nossas vidas mais fáceis. Ele deseja receber sua “pequena” em casa. Bem, que seja. É triste envelhecer e não ser amada pelo companheiro e, além disso, os amigos de Tonio gostam tão pouco de mim! Acho que ficaria mais em paz sozinha. Isso se continuar a viver, porque estou doente.”

            Eles evitaram uma ruptura completa ao alugarem um grande apartamento na Place Vauban, perto dos Invalides, onde Consuelo ocupava um ateliê, no andar térreo, no qual recebia os amigos ou telefonava para eles. Em 1938, porém, mudaram-se para residências separadas, e ela escreveu sobre seu sofrimento por causa da “falta de ritmo” entre ela e Antoine, prevendo o final de seu relacionamento.

            Em outros bilhetes manchados de lágrimas em que menciona a rival, reconhece que a outra “ganhara a partida” e que logo Saint- Exupéry choraria “como me faz chorar agora”. Lamentando-se sobre seu destino, as cartas de Consuelo revelam a angústia compreensível de uma mulher que se aproximava dos 40 anos, sem raízes numa grande cidade estrangeira. Como a rosa de O Pequeno Príncipe, suas defesas, como os espinhos da flor, eram ilusórias. Sua saúde piorou quando viu que o marido não respondia a seus chamados. “Ele prefere os espaços abertos, os naufrágios, os fantasmas do passado. Estou morrendo lentamente”, escrevia ela.

            A possibilidade de estabilizar o casamento pela criação de uma família fora totalmente descartada devido à vida trepidante de Saint- Exupéry. No entanto, ele brincava de bom grado sobre o tema, afirmando que Consuelo nunca poderia ter um filho porque sem dúvida o infeliz seria esquecido por descuido num táxi.

            No entanto, ele adorava a companhia de crianças. Passava horas animadas com sobrinhos e sobrinhas em Agay, contando-lhes histórias ou cantando canções de ninar para fazê-los dormir. Encantava-os com jogos de baralho ou prestidigitação, ou com sua virtuosidade nas damas e no xadrez.

            Mireille d’Agay, dama de honra em seu casamento, lembra-se da ternura com que a tinha carregado nos braços e mimado quando ela caíra e se machucara. Era acolhido como herói em Agay, com o nome de tio Papou, e as crianças colecionavam seus maços de cigarros como lembranças inestimáveis.

            Muitos se lembram de sua delicadeza, como a neta de Paul Claudel, Marie-Sygne Claudel, que o conhecera em Nova York com 4 anos de idade. Ele lhe ofereceu uma série de desenhos feitos enquanto lhe narrava contos de fadas. Gostava também dos dois filhos de seu editor, Eugène Reynal, cuja esposa, Elisabeth, conta que um dia uniu-se a eles para jogar sobre os pedestres, da janela de seu apartamento, “bombas” de água e papel.

            O filho de Léon Werth, Claude, guarda numerosas lembranças de adolescente de um Saint-Exupéry cheio de juventude, pronto tanto para brincar quanto para se lançar em discussões filosóficas. Aos 12 anos, Claude teve o privilégio de sobrevoar o castelo de Saint- Maurice-de-Rémens a bordo do Simoun, enquanto Saint-Exupéry revivia suas recordações de infância.

            Uma das brincadeiras prediletas de Saint-Exupéry consistia em confeccionar helicópteros de papel e jogá-los do alto de um prédio, passatempo que fascinava dezenas de espectadores árabes quando ele morava em Casablanca. Em Nova York, chegou a jogar helicópteros em apartamentos situados abaixo do seu, pelas janelas abertas. Em outra ocasião, na casa de Henri Claudel, encheu uma cesta de aviões de papel e foi jogá-los do alto do Empire State Building.

             Quando ainda era estudante em Paris, confessou à mãe que desejava ardentemente criar uma família, porém o temor de não poder proteger os filhos deve tê-lo preocupado bastante. Os riscos de sua profissão não eram a única razão. Vivia obcecado por seu estado de saúde, inquietação que poderia ser atribuída à brusca morte do pai aos 41 anos, deixando a esposa sozinha com cinco crianças.

            Talvez tenha interpretado o desaparecimento prematuro de François e Marie-Madeleine como sinais de fatores hereditários problemáticos, porém a morte de Melchior, o bebê de Gabrielle, traumatizou-o ainda mais. Em Correio Sul e Voo Noturno podem ser encontradas longas referências à doença fatal de uma criança. Essas alusões estão dentro do contexto no primeiro romance, porém em Voo Noturno parecem mais uma tentativa de livrar-se da obsessão de uma injustiça.

            Excetuando essa ansiedade, sua incapacidade de aceitar o mundo adulto é interpretada em O Pequeno Príncipe como o receio de que a passagem irreversível da infância à maturidade mate a essência sublime da infância. Esse tema aparecera anteriormente, nas entrelinhas, num artigo de 1935 para o Paris-Soir, redigido por ocasião de uma viagem à Europa central. Saint-Exupéry retocou mais tarde esse texto, que constitui as últimas páginas de Terra dos Homens.

            Durante uma viagem de trem, Saint-Exupéry ficara impressionado com o rosto angelical de um filho de camponeses, adormecido entre o pai e a mãe. “Desse casal nascera uma espécie de fruto dourado. Desses farrapos ordinários nascera essa obra-prima de encanto e graça. Debrucei-me sobre essa testa lisa, sobre esse doce trejeito dos lábios e disse a mim mesmo: eis aqui um rosto de músico. Eis aqui Mozart menino, eis aqui uma bela promessa da vida. Os pequenos príncipes das lendas não deviam ser diferentes dele: protegido, rodeado de cuidados, educado, o que não poderia se tornar! Quando nos jardins nasce por mutação uma nova rosa, todos os jardineiros se emocionam. A rosa é isolada, cuidada, privilegiada. Não existem, porém, jardineiros de homens. Mozart menino será marcado como os outros pela máquina trituradora. Uma das maiores alegrias de Mozart será tocar uma música apodrecida no fedor dos cafés-concertos. Mozart está condenado.”

            O trecho acaba com as seguintes palavras: “O que me atormenta não são essas cavidades, nem essas corcundas, nem essa feiura. É que, em cada um desses homens, existe um Mozart assassinado.”

Consuelo de Saint-Exupéry, esposa de Antoine, após a morte do marido 

publicou suas memórias com o título de "Memórias da Rosa". 
Efetivamente o personagem da Rosa no "Pequeno Príncipe" 
se baseara nela. 
Mas também aparece em "Cidadela", retratada como 
uma mulher volúvel, vaidosa, que não consegue "a troca do amor"

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