segunda-feira, 5 de junho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 41



            Após ter recebido seu prêmio, outorgado principalmente pela qualidade do estilo, Saint-Exupéry prolongou sua estadia na França até meados de fevereiro de 1932. Dividia seu tempo entre Paris, a Riviera e Saint-Maurice-de-Rémens, enquanto suas esperanças de um futuro sereno se dissipavam. Os escândalos financeiros e políticos da Aéropostale intensificavam-se, enquanto as crises na empresa se sucediam. Tendo na companhia tanto adversários quanto amigos influentes, Saint-Exupéry foi obrigado a aceitar um emprego quase humilhante na linha de hidraviões entre Marselha e Argel. Algumas vezes tinha de se contentar com o lugar de copiloto. Após quatro meses de atividade, pediu uma licença para tratar de assuntos pessoais e ajudou a mãe a mudar-se de Saint-Maurice para um apartamento em Cannes.

            O castelo de Saint-Maurice-de-Rémens fora vendido para a prefeitura de Lyon, que pensava utilizá-lo como colônia de férias; o resto das terras fora cedido gratuitamente por Marie de Saint-Exupéry aos camponeses que as cultivavam. Acompanhado por Consuelo, Antoine veio apoiá-la moralmente quando todo o mobiliário do castelo foi exposto na rua para ser vendido. Durante dois domingos consecutivos, antiquários e compradores particulares revolveram as lembranças da infância de Antoine, pechinchando os preços. Quando tudo acabou, o castelo ficou vazio, com exceção do pesado guarda-louças, da mesa, das cadeiras, da luminária e dos compridos baús de madeira que tinham servido de baús de brinquedos. A venda foi uma das últimas ocasiões em que os aldeões puderam ver Consuelo. Saint-Maurice possuía diversos cafés onde as mulheres não podiam entrar, exceto talvez para ir buscar algum marido atrasado. Marcelle Lefin, que cantava no coral de Marie de Saint-Exupéry, lembra-se da consternação dos clientes quando Consuelo entrou no bar de seu pai, fumando com uma longa piteira. “Ela leu o jornal, pediu um pastis e bebeu-o no balcão como qualquer operário”, comentou ela.

            O ambiente na Aéropostale, abalada pelo escândalo, era tão ruim que Saint-Exupéry adiou ao máximo seu regresso a Toulouse, mas recebeu a ordem de reintegrar-se à base três semanas após o término de sua licença. Aproveitou a oportunidade para voltar à linha da África ocidental e, em agosto, instalou-se com Consuelo num apartamento não-mobiliado em Casablanca, realizando assim sua primeira tentativa de vida em comum.

            A qualquer hora do dia ou da noite, o apartamento era invadido por uma multidão de frequentadores, principalmente pilotos amigos de Saint-Exupéry. Eles ficavam surpreendidos ao verem os criados colocarem a mão num pote em cima do fogão para pegar o dinheiro destinado às despesas diárias. Todos podiam servir-se sem prestar contas a ninguém.

            Em inúmeras cartas Saint-Exupéry expressa sentimentos contraditórios sobre um assunto recorrente: dinheiro. Passa da despreocupação à necessidade desesperada de segurança financeira. Ao longo dos anos, adota o tom de queixa familiar do artista descontente por ser obrigado a ganhar a vida escrevendo diálogos de filmes ou artigos para a imprensa, em vez de dedicar-se a formas literárias mais nobres, como seu projeto filosófico, Cidadela. “O cinema e o jornalismo são vampiros que me impedem de escrever o que eu gostaria”, escrevia em 1936 a uma amiga. “Há muitos anos não tenho o direito de pensar naquilo que me convém. Sinto-me prisioneiro e ocupado em tecer cestos de vime quando seria mais útil fazer outras coisas. O dinamismo obscuro mas poderoso dos atos faz com que cada roteiro que escrevo, cada artigo signifique uma oportunidade menor de escrever um livro. Uma chance a mais de escrever outros roteiros. O que você me diz sobre Voo Noturno me causa infinito mal e nenhum bem. É como o chamado do canto do órgão, lembrando-me que eu tinha muitas outras coisas para dizer.”

            Sua própria despreocupação em matéria de dinheiro combinava com a extravagância de Consuelo. Pouco habituada a fazer economia, ela continuava a gastar como fizera durante seu casamento com Gomez Carrillo. É provável que os dois tivessem exagerado suas fortunas pessoais e, no caso de Consuelo, a situação agravou-se de tal forma que ela foi obrigada a vender sua casa de Cimiez para resolver problemas financeiros. Inevitavelmente, a falta de dinheiro tinha de provocar problemas entre o casal, mas Antoine optou por não se preocupar com isso durante a campanha em favor de Daurat, que precipitou sua saída da Aéropostale. Em fevereiro de 1933, com o apoio de Guillaumet e Mermoz, deu nova direção a seu futuro ao escrever uma violenta carta de protesto à direção da linha, exigindo uma licença não-remunerada até a questão ser resolvida.

            Em retrospectiva, essa decisão foi muito arriscada e logo ele se encontrou em grandes dificuldades. Mas também é possível que Saint- Exupéry tivesse a esperança de que o projeto de filmagem de Voo Noturno proposto por Hollywood, com Clark Gable e Helen Hayes nos papéis principais, lhe trouxesse sorte. Infelizmente, o contrato foi decepcionante, e suas tentativas de encontrar um novo emprego em outra companhia aérea malograram-se devido a seus inimigos da Aéropostale.

            Daurat, antigo diretor da Aéropostale, lembrou-se da lealdade de Saint-Exupéry ao persuadir Pierre-Georges Latécoère a empregá-lo. Após ter vendido a Aéropostale a Bouilloux-Lafont em 1927, Latécoère obtivera um grande sucesso graças a novos projetos de construção aeronáutica, e precisava de um piloto de provas suplementar para a entrada em serviço de 40 hidraviões dotados de torpedos, encomendados pela marinha nacional. Os testes eram realizados no lago salgado de Saint-Laurent, perto de Perpignan.

            Três anos antes, em Brest, Saint-Exupéry teve dificuldades para assimilar as técnicas de voo específicas dos hidraviões e, durante os primeiros voos sobre o lago, novamente teve problemas de amerissagem. Mas, após 200 horas de prática, parecia ter corrigido sua tendência a calcular mal o ângulo de aproximação, e recebeu a proposta de testar os recentes hidraviões Latécoère destinados às linhas da Aéropostale na Venezuela.

            Naquela época, Saint-Exupéry reencontrara um ritmo diário bastante parecido à vida de um militar solteiro na ativa. Suas noites geralmente eram ocupadas por dois de seus jogos favoritos, xadrez ou batalha naval, a menos que se dedicasse a percorrer os restaurantes da cidade. Consuelo tinha ficado em Paris, onde restabeleceu pouco a pouco os vínculos com os artistas que conhecera antes do casamento. Além das cartas, Saint-Exupéry permanecia em contato com ela telefonando-lhe regularmente à meia-noite. Ficavam juntos com menor frequência que durante o período em que ele trabalhava nas linhas africanas. No entanto, no final de dezembro de 1933, quando foi transferido para Saint-Raphaêl, puderam ficar juntos por mais tempo. Ele tinha de terminar os testes dos hidraviões destinados à marinha nacional. Esses aparelhos eram parecidos com o Latécoère 28, a bordo do qual Saint-Exupéry exigira um primeiro beijo de Consuelo. Ela apressou-se em ir a seu encontro no hotel Continental, esperando passar as férias em Agay ou em Villefranche com Maurice Maeterlinck. Em vez disso, os dias seguintes se transformaram num pesadelo. Saint- Exupéry quase se matou, antes de ser demitido por falha profissional.

            A descrição mais detalhada do acidente de 21 de dezembro de 1933, que quase causou a morte de quatro pessoas, foi dada por um mecânico responsável pelos voos de prova, Gilbert Vergès, que passou mais de trinta anos na indústria aeronáutica. Em sua opinião, não havia qualquer motivo de inquietação antes do voo. A versão do Latécoère 28 testada por Saint-Exupéry quatro dias antes do Natal era um dos modelos mais confiáveis do mundo. Com algumas modificações, tratava-se do mesmo aparelho que permitira Mermoz bater vários recordes mundiais. Tecnicamente, com exceção dos flutuadores, não havia nada diferente naquele avião que tinha seu desempenho comprovado.

            Como o Latécoère 28 fora longamente testado em Montaudran, o voo era considerado uma simples formalidade para mostrar o funcionamento do aparelho a um tenente da marinha, sentado ao lado de Saint-Exupéry, no assento do copiloto, fazendo anotações. Vergès e um técnico estavam instalados atrás deles.

            “Para a amerissagem na baía de Saint-Raphaél”, conta Vergès, “eu tinha me instalado na torre do metralhador posterior, e percebi que Saint-Exupéry endireitava o avião tarde demais. Segurei-me firmemente mas o choque foi brutal, um flutuador quebrou e capotamos. O tenente da marinha, ao lado de Saint-Exupéry, que abrira seu painel de evacuação superior em função da amerissagem, foi catapultado por essa abertura e caiu na água após planar por alguns metros.”

            Depois de ter saído pela torre do metralhador, Vergès conseguiu socorrer o mecânico, ajudando-o a subir numa lancha a motor enviada pela marinha. Saint-Exupéry não estava na cabine e, em princípio, todos pensaram que tinha morrido. Na verdade, ele não compreendera que o avião tinha virado e estava em vão procurando a vigia no teto. Sem fôlego, arrastou-se pela fuselagem, onde encontrou um bolsão de ar. Este se encheu de água e ele pensou que estava perdido; nesse momento, graças a Vergès, que conseguira forçar uma das portas da cabine, ele percebeu uma luz. De repente, a cabeça de Saint-Exupéry, vomitando água salgada, apareceu na superfície, perto da lancha de salvamento.

            Tentando explicar o erro quase fatal de Saint-Exupéry, Vergès considera que sua experiência com hidraviões era insuficiente, e ele ainda não tinha podido se desvencilhar dos reflexos da aterrissagem clássica. “Ele tinha tendência a perder altitude muito tarde, o que não convinha no caso dos hidraviões, pois seus flutuadores estão fixados num ângulo determinado”, explica. Em outros termos, Antoine simplesmente esquecera que não estava pilotando um avião comum.

            O acidente acabou com o contrato de Saint-Exupéry e também com os dois meses de férias que esperava passar com Consuelo em São Rafael. Precisou de 24 horas para recuperar-se plenamente, sobretudo graças aos cuidados da esposa. Como Louise de Vilmorin diversos anos antes, ela teve de escutar mil vezes o relato dos “instantes aterrorizantes e sublimes entre o céu e a terra”. Ele confessou que tinha pensado em desistir de tudo após ter engolido água do mar. A perspectiva de deslizar suavemente no mar para encontrar a paz eterna o seduzira.

            Repetiu quase as mesmas palavras a outro piloto de provas, Bernard Duperier, futuro comandante de uma esquadrilha de combate da RAF durante a guerra. “Pouco tempo depois do acidente, Saint-Ex me disse que nunca sofrera tanto na vida quanto no momento em que teve de reter a respiração”, disse Duperier. “Quando finalmente desistiu e engoliu água do mar, teve uma sensação de bem-estar e de alívio.” Por poucos segundos Consuelo não enviuvou pela terceira vez, mas seu marido não lhe prometeu procurar um emprego menos perigoso. Ele estava decidido a conseguir outra colocação, dessa vez na Air France, a nova companhia nacional nascida da fusão de cinco companhias, entre elas a Aéropostale.

            Consuelo tinha agora 30 anos e não podia escapar da realidade da vida de mulher de piloto, na qual os curtos períodos de felicidade em comum não compensavam de forma alguma as longas separações e a angústia infernal. Durante os meses seguintes, ela se refugiou cada vez mais na companhia dos amigos artistas, começou a beber demais e soçobrou na melancolia.

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