Por
trás dos rostos melancólicos das fotos da cerimônia, escondiam-se diversas
preocupações inquietantes. A Aéropostale e sua filial, Aeroposta Argentina,
tinham falido e estavam em processo de liquidação judicial. A conexão com a
Patagônia, inaugurada por Saint- Exupéry, não estava mais funcionando, e ele
não sabia se conservaria seu emprego na companhia. Dez dias depois, quando foi
realizado o casamento civil na prefeitura de Nice, a situação era sombria. Atribuía-se
a falência da empresa à inconsequência de investimentos financeiros duvidosos
realizados pelo proprietário, Maurice Bouilloux- Lafont, cuja fortuna fora
constituída na América do Sul. Nos meses seguintes, a imagem da aviação
pioneira era denegrida por múltiplas intrigas políticas e lutas sórdidas, e
finalmente pela demissão de Didier Daurat da Aéropostale, após acusações capciosas.
A idílica lua-de-mel na casa de Cimiez acabou rapidamente.
Quase
imediatamente após o escândalo da Aéropostale, Saint-Exupéry aceitou um cargo
de piloto na linha que transportava o correio de Casablanca a Port-Étienne, e
confiou a jovem esposa aos cuidados da mãe até sua partida para Casablanca,
algumas semanas mais tarde. Aparentemente, Antoine optara pela linha africana
para que sua mulher pudesse aproveitar o clima marroquino, atenuando assim sua
asma.
Durante
sete meses, em 1931, até seu retorno a Agay, onde passou o Natal com a família,
Saint-Exupéry permaneceu à margem da questão da Aéropostale, recolhendo novos
materiais para aquilo que seria Terra dos Homens. Os problemas da Aeroposta
Argentina despertavam seu senso de humor fatalista, como é revelado num trecho
em que ele “desliza para além dos confins deste mundo”, durante uma viagem
durante a qual seu operador de rádio, Jacques Néri, recebe uma informação
errada sobre sua posição, numa noite em que sobrevoavam Rio de Oro, rumo ao
norte. No limite da reserva de combustível, esperavam desesperadamente ajuda
das bases do deserto, que permaneciam mudas. Ironicamente, receberam apenas uma
mensagem intempestiva da base de Casablanca, informando Saint-Exupéry que os
serviços de controle estavam lhe infligindo uma sanção por ter roçado nos
hangares no momento da decolagem de um voo anterior, rumo ao sul.
No
livro, seu desprezo pela estupidez da administração demonstra sua aversão pela
burocracia que asfixiava a Aéropostale antes de ela ser obrigada a associar-se
a outras companhias para formar a Air France, em 1933.
A
aventura com Jacques Néri quase teve um fim trágico, porém em Terra dos Homens
Saint-Exupéry não faz qualquer alusão à angústia sentida pelas mulheres de
piloto que esperavam ansiosamente o retorno do marido, algumas vezes com
diversas horas de atraso. No entanto, este é um dos temas principais de Voo
Noturno. Fabien, o jovem aviador que morre no final do romance, estava casado
há apenas seis semanas. Sua jovem esposa, Simone, que o espera em casa com um
jantar à luz de velas, liga para Rivière para saber se o marido chegara. A
brusca irritação do diretor ante esse angustiado apelo — “as mães e esposas não
estão autorizadas a penetrar no teatro de operações” — leva o autor a pensar
nos sofrimentos de uma família de piloto. Rivière considera uma inimiga a
esposa de Fabien porque ela “defende um mundo absoluto com seus direitos e
deveres”, mas dificilmente encontra argumentos para contradizer o que chama de
“verdade de Simone”. E quando Rivière tenta justificar-se, ela não pode
ouvi-lo. “Ela havia caído”, achava ele, “machucando os pulsos frágeis contra a
parede.”
Nenhum
texto de Saint-Exupéry explicita a maneira com que ele compreendia o medo que
afetava Consuelo, particularmente depois de sua chegada a Casablanca, quando
ela se reuniu a outras mulheres ansiosas pelo regresso dos maridos, que haviam
partido para um longo percurso numa região costeira hostil. A entrada em
operação do Latécoère 26 tornara o itinerário muito mais seguro. Contudo, as
tempestades de areia, as panes no motor, os acidentes e sequestros ainda faziam
parte das tragédias previsíveis. Recentemente, os dissidentes tinham sequestrado
o operador de rádio Jacques Néri e outros dois aviadores, após uma aterrissagem
de emergência.
Agora
as decolagens eram feitas na hora do crepúsculo, e essas viagens noturnas
aumentavam ainda mais o receio das mulheres que velavam em casa. Os pilotos
eram obrigados a realizar voos cada vez mais longos, diminuindo as escalas
técnicas. Chegavam esgotados à base, às vezes após um périplo de vários dias
consecutivos. Mesmo deixando de lado o terror que sentia enquanto esperava por Antoine,
os meses passados no Marrocos devem ter sido uma amarga revelação para
Consuelo. Ela abandonara sua vida de boêmia e o ambiente artístico parisiense
por uma cidade que o próprio Saint-Exupéry considerava desinteressante. Ele detestava
a vida social artificial dos colonos franceses, que, para Consuelo,
representava a única alternativa à companhia das mulheres de piloto durante as
longas missões do marido. Ela descobriu sozinha o que Louise de Vilmorin
pressentira: em Antoine, com frequência a paixão pela aviação superava o amor.
Isso teria sido suportável na Argentina, onde se falava sua língua materna e
onde seu temperamento latino teria sido mais tolerado, porém em Casablanca,
numa vida dividida entre a arrogância francesa e o rancor árabe, ela se sentia
uma estranha.
A
ausência de Saint-Exupéry era uma forma de tirania ainda pior que a exigência
de sua presença. Consuelo tinha tempo demais para meditar sobre as
questionáveis vantagens de ter um esposo aviador, que nem sequer tinha a
certeza de receber seu salário no fim do mês. Seu grande consolo era a
correspondência apaixonada que recebia, que chegava às suas mãos pelo serviço regular
da Aéropostale, quando Saint-Exupéry cruzava com outros pilotos pelas pistas do
deserto. O volume de sua correspondência divertia seus colegas, e às vezes ele
atrasava os horários de decolagem para permitir que suas cartas partissem no
último momento.
A
eloquência das missivas fazia Consuelo pensar que ele abandonaria a aviação
para consagrar-se à literatura. Essa esperança aumentou quando, numa escala em
cabo Juby, em 4 de dezembro de 1931, Antoine encontrou uma mensagem
anunciando-lhe a atribuição do prêmio Fémina por Voo Noturno, uma prestigiosa
recompensa literária outorgada por um júri composto exclusivamente por mulheres.
O ofício estava acompanhado de uma autorização para viajar à França a fim de
receber o prêmio, com a condição de transportar o correio de cabo Juby a
Toulouse. Vinte horas mais tarde, ele aterrissava lá, viva imagem do piloto
veterano desafiando os elementos. Além de uma barba de dois dias, tinha o rosto
coberto de graxa de motor e estava usando um uniforme sujo e esfarrapado, bem
como uma gasta capa puída amarrada à cintura por um barbante. Após um breve
intervalo para escrever o relatório de um voo sem incidentes, vestiu um terno
amarrotado e pegou um trem para Paris, onde finalmente pôde saborear o luxo de
um banho no hotel Lutétia.
Só
uma metáfora aeronáutica pode descrever o que ocorreu quase imediatamente
depois disso. Em plena ascensão à glória literária, Saint-Exupéry caiu numa
turbulência que o empurrou brutalmente até o nível em que se encontrava quatro
anos antes, na época em que percorria as estradas como representante comercial.
A publicação de Voo Noturno valeu-lhe tantas desilusões que nunca mais escreveu
outro romance. A reação desfavorável dos aviadores da Aéropostale o surpreendeu
e magoou, fazendo-o sentir que cometera um crime ao glorificar seu heroísmo.
Embora
às vezes fosse demasiadamente sensível à crítica, o choque que sentiu se
justificava em parte. Muitos de seus colegas passaram a tratá-lo como inimigo,
evidenciando antigos rancores da época de cabo Juby ou da América do Sul. Os
conflitos internos tinham dividido a Aéropostale em dois clãs, um pró-Daurat e
outro anti-Daurat. Após a publicação do livro, era impossível ignorar de que
lado estava Saint-Exupéry, bem antes de sua campanha com Mermoz e Guillaumet,
para a reabilitação do antigo diretor. Por ciúme ou espírito de vingança,
alguns pilotos e membros da equipe de solo da Aéropostale uniram-se ao coro de
queixas contra Saint-Exupéry, afirmando que era um pretensioso e que tinha
explorado sua experiência para aumentar sua glória pessoal. Em compensação,
outros defendiam-no abertamente. Mermoz enviou-lhe um telegrama expressando sua
felicidade por ver recompensado o talento do amigo e desejando-lhe futuros
sucessos. Guillaumet estava na América do Sul, e Saint-Exupéry não tentou entrar
em contato com ele, temendo a reação do colega. Escreveu-lhe quando ficou
sabendo que voltara à França para um período de férias. Angustiado, Antoine contava-lhe
como fora renegado pelos companheiros por ter escrito “este desgraçado livro”,
suplicando ao amigo que não acabasse com sua amizade. Confessava que estava
arrependido de ter escrito Voo Noturno, e convidava humildemente Henri para vir
discutir o livro com ele, em Paris. Com mais bom senso que imaginação,
Guillaumet deve ter-se perguntado por que o amigo estava tão alarmado. Fora um
dos primeiros a ler o manuscrito em Buenos Aires, e no momento de dar sua
opinião esquivou-se, frisando que a morte de Fabien fizera chorar sua mulher, Noëlle.
Levando
em conta suas relações fraternais, o livro certamente não causou nenhuma
reprovação de Guillaumet. Quando ele foi ocupar um cargo em Casablanca e
reencontrou-se com Saint-Exupéry, que voltava pela terceira vez à África
ocidental, sua amizade continuou, e Noëlle foi incluída nela. Um dia, Guillaumet
foi dado como desaparecido no meio de uma tempestade de areia; Saint-Exupéry não
contou nada a Noëlle e convidou-a para ir ao cinema. A cada meia hora ele saía
discretamente para saber se havia alguma novidade, e só mencionou o fato quando
o avião de Henri chegou à base.
Esse
fato prova novamente que Saint-Exupéry conhecia perfeitamente a terrível tensão
que se abatia sobre as mulheres dos pilotos, particularmente sobre a sua. No
entanto, apesar da enorme emotividade que lhe fazia sentir uma desproporcionada
inquietação quando Consuelo simplesmente se atrasava para um encontro, nunca
pensou em encerrar suas atividades.
Embora
Voo Noturno se tornasse um dos romances franceses mais populares do século XX,
a controvérsia sobre seu elogio ao dever e à disciplina continuou durante muito
tempo após a morte do autor, quando Daurat não quis se reconhecer no personagem
de Rivière. Quando o livro foi publicado, alguns críticos acharam que o
autoritarismo do personagem chegava a ser quase fascista.
Mais
tarde, as inquietantes concepções de obediência cega às ordens e respeito
escrupuloso ao regulamento foram questionadas pela guerra. No conturbado
período do regime de Vichy, em que a filosofia da ordem primava sobre o
espírito de justiça, numerosos leitores sentiam um certo mal-estar diante da
interpretação de André Gide da mensagem central de Voo Noturno. Ele dizia que
Saint-Exupéry acentuava o sentimento de que “a felicidade humana não se
encontra na liberdade, mas sim na aceitação do dever”, um princípio que levou
muitos franceses a seguirem as diretrizes do governo e a colaborar com os
alemães.
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