segunda-feira, 5 de junho de 2017

PILOTO DE GUERRA - 7

         — Anda logo… Cadê as minhas luvas? Não, não são essas… Procura na minha bolsa…

— Não achei, Capitão.

— Você é um imbecil.

São todos uns imbecis. Esse que não consegue achar as minhas luvas. E o outro, do Estado-Maior, com sua ideia fixa de missão em baixa altitude.

— Eu te pedi um lápis. Faz dez minutos que pedi um lápis. Não tem um lápis?

— Sim, Capitão. Está aí um que é inteligente.

— Prende esse lápis num barbante. E amarra o barbante nesta botoeira aqui. Diga-me, Artilheiro, você não parece ter pressa…

— É que estou pronto, Capitão.

— Ah! Bom. E bifurco para o observador:

— Tudo bem, Dutertre? Não falta nada? Calculou as direções?

— Tenho as direções, Capitão. Bom. Ele tem as direções. Uma missão sacrificada… Só lhes pergunto se é sensato sacrificar uma tripulação por informações de que ninguém precisa e, se um de nós ainda estiver vivo para reportá-las, nunca serão transmitidas a ninguém...

— O Estado-Maior deveria engajar espíritos...

— Para quê?

— Para que a gente possa comunicar-lhes essas informações esta noite, numa mesa girante.

Não fico muito orgulhoso da minha tirada, mas resmungo ainda:

— Os Estados-Maiores, os Estados-Maiores... Fossem eles fazer essas missões sacrificadas, esses Estados-Maiores.

Pois é longo o cerimonial de pôr uniforme, quando a missão surge como desesperada, e nos apetrechamos com tanto cuidado para sermos grelhados vivos. É trabalhoso vestir essas roupas espessas, triplas, sobrepostas, fantasiar-se com acessórios que usamos feito mascates, organizar o circuito de oxigênio, circuito de aquecimento, circuito de comunicações telefônicas entre membros da tripulação. E através dessa máscara que eu respiro. Um tubo de borracha me liga ao avião, tão essencial quanto um cordão umbilical. O avião entra em circuito com a temperatura do meu sangue. O avião entra no circuito das minhas comunicações humanas. Acrescentaram- me órgãos que se interpõem, de algum modo, entre mim e meu coração. A cada minuto, me tomo mais pesado, mais atulhado, mais difícil de manejar. Viro num bloco e, se me inclino para apertar as correias ou puxar os fechos emperrados, todas as minhas juntas gritam. Minhas antigas fraturas doem.

— Dá aqui outro capacete. Eu já te disse vinte e cinco vezes que não queria mais o meu. Está muito apertado.

Pois só Deus sabe por qual mistério o crânio incha em grande altitude. E um capacete normal no solo, a dez mil metros aperta os ossos como um tomo.

— Mas esse é outro. Capitão. Eu troquei o seu capacete...

—Ah! Bom.

Pois resmungo mesmo, mas sem nenhum remorso. Tenho razão! Aliás, nada disso tem importância. A gente atravessa, nesse instante, o próprio centro do deserto interior de que eu falava. Só há cacos aqui. Não me envergonho nem mesmo de desejar o milagre que mudará o curso desta tarde. Pane de laringofone, por exemplo. Sempre quebram, esses laringofones! Porcaria! Uma pane de laringofone livraria nossa missão de ser sacrificada...

O capitão Vezin me aborda com um ar sombrio. O capitão Vezin aborda cada um de nós, antes de partirmos em missão, com um ar sombrio. O capitão Vezin é encarregado, entre nós, das relações com os organismos de vigia dos aviões inimigos. Ele tem a função de nos informar sobre seus movimentos. Vezin é um amigo de quem gosto muito, mas é um profeta do infortúnio. Lamento que me apareça agora.

— Meu velho — diz-me Vezin —, é uma droga, uma droga, uma droga!

E ele tira papéis do bolso. Depois, olhando-me desconfiado:

— Por onde você sai?

— Por Albert.

— É isso mesmo. É isso. Ah! É uma droga!

— Não banque o idiota, o que há?

—Você não pode partir!

Eu não posso partir! Que bonzinho, o Vezin! Pois que obtenha de Deus Pai uma pane de laringofone!

—Você não consegue passar.

— Por que não consigo passar?

— Porque há três missões de caça alemã que se revezam constantemente sobre Albert. Uma a seis mil metros, outra a sete mil e cinco, e outra a dez mil Nenhuma deixa o céu antes da chegada das substitutas. Eles fazem interdição a priori. Você vai cair numa arapuca. E, depois, olha aqui!

E ele me mostra um papel, no qual rabiscou demonstrações incompreensíveis.

Seria melhor que Vezin me deixasse em paz.

As palavras ‘Interdição a priori” me impressionaram. Penso nas luzes vermelhas e nas contravenções. Mas a contravenção, aqui, é a morte. Eu detesto principalmente o "a priori”. Tenho a impressão de ser pessoalmente visado.

Faço um grande esforço de inteligência. É sempre a priori que o inimigo defende suas posições. Essas palavras são estéreis. Que se danem, os caças! Quando eu descer a setecentos metros, é a D.C.A. que me abaterá. Não tem como me errar! Eis-me bruscamente agressivo:

— Em suma, você vem me dizer, urgentemente, que a existência de uma aviação alemã toma minha partida muito imprudente. Vá correndo avisar o general...

Não custaria a Vezin me tranquilizar gentilmente, batizando seus tais aviões: "Caças circulando nas proximidades de Albert”.

O sentido era exatamente o mesmo!

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