Nas
cartas que trocavam ou escreviam aos mais íntimos, Consuelo e Antoine não
escondiam sua tristeza por viverem separados desde a mudança da Place Vauban.
Embora Saint-Exupéry recriminasse a mulher por passar todo o tempo em companhia
de amigos que ele não apreciava, as cartas de Consuelo permitem entrever uma
solidão extrema, agravada por preocupações com sua saúde, causadas pela asma.
Às vezes ela superava o tédio fazendo curtas viagens a Londres ou à Riviera,
mas suas cartas refletiam uma tristeza constante.
A
causa principal desse desentendimento provinha de uma mútua incapacidade de
compreender as exigências sentimentais exorbitantes um do outro. Saint-Exupéry
refere-se constantemente à sua própria perplexidade, numa correspondência que
provavelmente seja a mais volumosa que uma personalidade de seu porte tenha
escrito ao cônjuge.
Perto
do fim de sua vida, após seu reingresso na aeronáutica, Antoine escrevia a
Consuelo mais de uma vez por dia. Suas mensagens eram longas e desordenadas, e exigiam
a reconciliação a qualquer preço. As respostas de Consuelo, raras e bastante
curtas em comparação com as suas, que podiam chegar a 20 páginas, apenas
aumentavam sua angústia pela segurança da esposa, ou confirmavam seus temores
de que ela não o amava mais. Seu interesse por Consuelo às vezes exasperava as
amizades femininas de Antoine, pois ele insistia em sua paixão por ela e no
tormento que esse desentendimento lhe causava. Numa das cartas escritas a
Sylvia Hamilton durante a guerra, ele afirmava que, embora a atitude de
Consuelo frequentemente o deprimisse, ela nunca tinha se mostrado “fútil, mesquinha
nem indigna”.
Com
frequência suas cartas a Consuelo continham recriminações, porém houve diversos
períodos de afetuosa cumplicidade, particularmente quando decidiram comprar uma
casa de campo, pouco tempo depois da instalação de Antoine na rue Michel-Ange.
Numa emissão radiofônica gravada após a guerra, Consuelo contou como realizaram
impulsivamente essa aquisição e se referiu eufemisticamente à separação como um
pedido de trégua conjugal da parte de Saint-Exupéry.
La Feuilleraie (o Refúgio das Folhas) |
Saint-Exupéry
assinou o contrato de venda sem saber como financiaria a aquisição, um problema
que desapareceu após o sucesso de Terra
dos Homens. Consuelo passou a viver nessa casa a partir de 1939 e
permaneceu até a derrota francesa, em companhia de uma criada, do pequinês e
cercada de galinhas e coelhos. A distância da esposa aumentou a tristeza que
Saint-Exupéry sentia com a separação. Durante o ano de 1939, quando se
encontrava em Paris, ele pulava frequentemente na Bugatti ou na moto para ir
passar a tarde em companhia de Consuelo. Nem sempre anunciava suas visitas, e
às vezes dava marcha à ré quando via carros parados na frente da casa, pois
Consuelo recriou em La Feuilleraie o ambiente boêmio de seu apartamento
parisiense, para o qual convergiam seus amigos artistas. Quando isso ocorria,
Antoine rabiscava às pressas um bilhete que lhe mandava entregar.
Consuelo
conservou todas as cartas de Antoine. Esse tesouro epistolar compreende uma
grande quantidade de bilhetes acusando-a de falta de atenção ou de indiferença,
escritos impulsivamente pelo marido. Várias mensagens enumeram uma ladainha de
encontros não realizados, de escapadas noturnas ou de cartas que ficaram sem
resposta.
Pode-se
compreender, por meio desses escritos, que Saint-Exupéry não conseguia admitir
que a mulher que ele amava não se consagrasse exclusivamente a ele e a sua
obra. Como menciona em uma de suas cartas, Consuelo lhe avisara que seria uma
tarefa impossível tentar capturar a essência de sua personalidade, que ela mesma
comparava a uma nebulosa complexa, incapaz de ser apreendida sob uma única
forma.
À
frustração sentimental de Antoine acrescentava-se a lamentação constante pelo
fato de Consuelo manifestar apenas um interesse efêmero por suas ambições
literárias e científicas, e particularmente por seu “grande livro”, o projeto
de Cidadela. Ele precisava então de
outras almas caridosas para satisfazer sua insaciável necessidade de ser escutado,
e para prestar atenção às prolixas teorias de sua imaginação fértil.
Sua
estadia no hotel do Grand Balcon, em Toulouse, fez com que lembrasse da época
da Aéropostale, e isso não contribuiu de forma alguma para dissipar seus
temores de estar velho demais para a profissão de piloto. “Sinto-me cada vez
mais sufocado”, escreve na carta mencionada. “O clima desta região é
insuportável. Tenho muitas coisas a dizer sobre os acontecimentos. Posso
dizê-las a título de combatente, e não de turista.” Encontrou um de seus
melhores aliados na pessoa de René Davet, um general da aeronáutica que tinha
conhecido durante a Guerra Civil Espanhola, quando lhe confiara seu desprezo
pelos burocratas. Segundo Davet, Saint-Exupéry estava pronto para se bater por
uma ou outra causa espanhola, desde que fosse na primeira linha. Ele sentiu a
mesma repugnância pelos burocratas da retaguarda, quando a guerra na França
eclodiu.
A
influência de Davet permitiu que o relatório médico inicial fosse deixado de
lado; logo depois, Saint-Exupéry solicitou a intervenção do ministro da
Aeronáutica, Guy La Chambre, a fim de ser destinado a uma unidade de combate.
Em vez disso, foi designado para participar de uma patrulha de reconhecimento
num grupo de fotografia aérea a altitudes elevadas, o 2/33, no qual serviu de
dezembro de 1939 até julho de 1940, e depois de abril de 1943 até a sua morte,
em julho de 1944.
As
condições de seu primeiro posto, em Orconte, no meio dos campos de batalha do
Marne, preencheram parcialmente seu desejo de escapar das preocupações diárias
e diminuíram um pouco sua saudade das alegrias simples e da camaradagem de cabo
Juby. Com frequência ele manifestara o desejo de levar uma vida monástica, e
tinha até mesmo confiado a Georges Pélissier: “Se pudesse ter fé, me tornaria
dominicano”.
Ficou
tão encantado com as condições espartanas que o esperavam ao chegar ao 2/33, em
dezembro de 1939, que pediu para ser tratado como um simples soldado. Isso
significava o abandono dos privilégios e do conforto reservado a seu grau de
capitão, que fazia dele o superior hierárquico de seu chefe-de-esquadrilha. O
fato de ter o dobro da idade da maioria dos outros aviadores também o fazia
muito respeitado, porém ele nunca tirou vantagem de seu prestígio de escritor, contentando-se
com o conforto rudimentar da vida militar cotidiana, mesmo ao receber o prêmio da
Academia Francesa, onze dias após sua nomeação.
Como
acontecera em cabo Juby, a vida na base aérea durante o inverno glacial de
1939-40 despertou-lhe a nostalgia dos anos da juventude em Saint-Maurice e no pensionato
de Le Mans ou de Friburgo. Quando escreveu Piloto
de Guerra nos Estados Unidos, evocou suas experiências da batalha da França
com um segundo plano de cenas e sensações herdadas da infância, inclusive o
prazer pueril sentido quando abandonava o calor do leito no quarto gelado da
fazenda na qual estava hospedado em Orconte. Comparava o cômodo a uma cela
monástica, e contava como se precipitava novamente entre as cobertas após ter
acendido o fogo para derreter o gelo na bacia.
Os
pilotos que serviram com ele em 1940 e falaram sobre ele vários anos mais tarde
transmitiram a imagem de um homem que se divertia ao reviver a despreocupação
da infância durante tediosos meses, enquanto esperava o verdadeiro combate.
René Gavoille, futuro general, contou que Saint-Exupéry era o animador do
grupo, ficando contente quando maravilhava os jovens oficiais com seus truques
de baralho, suas anedotas, canções ou trocadilhos. Às vezes propunha passeios
surpreendentes em seu carro novo, um De Soto que dirigia a 40 por hora pelas
estradas intransitáveis do leste da França. Seus passageiros recordam seu
costume desconcertante de frear até quase deter o carro, ou de acelerar
bruscamente, segundo a intensidade da conversação. Era no carro de
Saint-Exupéry que os membros da patrulha corriam o perigo mais real. Enquanto
esperavam pela batalha, o tédio, o frio e a inação representavam os únicos
inimigos a serem derrotados.
A
maioria dos aviadores era de militares de carreira habituados à monotonia e à
rotina de um exército em tempo de paz, porém suas recordações da vida passada
em Orconte, ou em outras bases aéreas, revelam suas críticas à morosidade do
alto comando em engajar-se no combate.
O
Potez 63 era lento demais para ser utilizado em atividades de reconhecimento e,
além disso, apresentava diversos inconvenientes mecânicos. Por exemplo, as
metralhadoras congelavam em altitudes elevadas. Seguindo o exemplo de todos os
regimentos franceses que compensaram a letargia administrativa dando exemplos
de iniciativa, o esquadrão esforçou-se para remediar a anomalia. Com a ajuda do
professor Fernand Holweck, um cientista que expressou diversas vezes sua
admiração pelo gênio inventivo de Saint-Exupéry, o escritor aconselhou a equipe
de pesquisa encarregada de encontrar as causas desse defeito, e descobriu uma
solução que há meses vinha escapando aos técnicos.
Nesse
momento considerou-se que o Potez 63 era um alvo muito fácil para a Luftwaffe,
e a patrulha de reconhecimento recebeu a ordem de utilizar um novo avião, o
Bloch 174, caça-bombardeiro bimotor que, graças a Saint-Exupéry, assumirá um
lugar privilegiado na literatura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário