— Você está me ouvindo bem, Dutertre?
— Estou, Capitão.
— E você, Artilheiro, me ouve bem?
— Eu… Sim… Muito bem.
— Dutertre, você ouve o Artilheiro?
— Ouço bem, Capitão.
— Artilheiro, você ouve bem o tenente
Dutertre?
— Eu… Sim… Muito bem.
— Por que você diz sempre “Eu… Sim… Muito
bem”?
— É que estou procurando meu lápis, Capitão.
Os
laringofones não estão quebrados.
— Artilheiro, pressão do ar normal
nos tubos?
— Eu… Sim… Normal.
— Os três? Nos três.
— Pronto Dutertre?
— Pronto.
— Pronto, Artilheiro?
— Pronto.
— Então, vamos.
E eu decolo.
* * *
A angústia se deve à perda de uma
verdadeira identidade. Se espero uma mensagem da qual depende minha felicidade
ou o meu desespero, sou como que lançado no nada. Enquanto a incerteza me mantém
em suspense, meus sentimentos e minhas atitudes não passam de um disfarce
provisório. O tempo cessa de fundar, segundo por segundo, como constrói a
árvore, o personagem verdadeiro que me habitará em uma hora. Esse eu
desconhecido vem ao meu encontro, de fora, como um fantasma. Então tenho uma
sensação de angústia. A má notícia provoca não a angústia, mas o sofrimento: é
completamente diferente.
Entretanto, eis que o tempo deixou
de correr no vazio. Estou enfim instalado na minha função. Não me projeto mais
num futuro sem rosto. Não sou mais aquele que esboçará, talvez, uma espiral no
turbilhão do incêndio. O futuro não me assombra mais, como uma estranha
aparição. Meus atos, doravante, uns após os outros, o compõem. Sou aquele que
controla a bússola para mantê-la a 313 graus. Que regula a rotação das hélices
e o aquecimento do óleo. São as preocupações imediatas e sãs. São preocupações
da casa, os pequenos deveres do dia que suavizam o gosto do envelhecer. O dia
se toma casa bem lustrada, assoalho bem encerado, oxigênio bem gasto. Eu
controlo, com efeito, o consumo de oxigênio, pois subimos rápido: seis mil e
setecentos metros.
— Tudo bem com o oxigênio, Dutertre?
Está se sentindo bem?
— Tudo bem, Capitão.
— Ei, Artilheiro, o oxigênio está
bem?
— Eu... Sim... Tudo bem, Capitão...
— Você ainda não achou seu lápis?
Torno-me também aquele que aperta o
botão S e o botão A para controlar minhas metralhadoras. A propósito...
—Ei, Artilheiro, não tem uma cidade
grande, atrás, em seu campo de tiro?
—Hã... Não, Capitão.
— Vai. Teste as suas metralhadoras.
— Ouço suas rajadas.
— Funcionaram?
Funcionaram.
—Todas as metralhadoras?
— Hã... Sim... Todas.
Eu também atiro. Pergunto-me aonde
vão essas balas que lançamos sem escrúpulo ao longo dos campos amigos. Nunca
matam ninguém. A terra é grande.
Cada minuto assim me alimenta de seu
conteúdo. Eu sou alguma coisa tão pouco angustiada quanto um fruto
amadurecendo. Decerto, as condições do voo mudarão à minha volta. As condições
e os problemas. Mas estou inserido na fabricação desse futuro. O tempo me molda
aos poucos. A criança não se assusta por pacientemente transformar-se num
velhinho. É criança e brinca suas brincadeiras de criança. Eu brinco também.
Conto os mostradores, os manetes, os botões, os manches de meu reino. Conto
cento e três objetos a verificar, puxar, virar ou empurrar. (Só blefei ao
contar como dois o comando de minhas metralhadoras: ele tem um pino de
segurança.) Vou divertir o fazendeiro que me hospeda esta noite. Vou lhe dizer:
— O senhor sabe quantos instrumentos
um piloto hoje em dia precisa controlar?
— Como é que você quer que eu saiba?
— Não faz mal. Diga um número.
— Que número você quer que eu diga?
— Pois meu fazendeiro não tem nenhum
tato.
— Diga qualquer número!
— Sete!
— Cento e três!
— E ficarei contente.
Minha paz está feita também porque
todos os instrumentos de que estava atulhado tomaram seus lugares e receberam
seu significado. Essas tripas de tubos e cabos viraram rede de circulação. Eu
sou um organismo contíguo ao avião. O avião fabrica meu bem-estar, quando giro
determinado botão que aquece, progressivamente, minhas roupas e meu oxigênio. O
oxigênio, aliás, está quente demais e está me queimando o nariz. Esse oxigênio
é consumido proporcionalmente à altitude, através de um instrumento complicado.
E é o avião que me alimenta. Isso me parecia desumano antes do voo; e agora,
amamentado pelo próprio avião, sinto por ele uma espécie de ternura filial. Uma
espécie de ternura de lactente.
Quanto a meu peso, distribuiu-se em pontos de
apoio. Minha tripla espessura de roupas superpostas, meu pesado paraquedas
dorsal pesam contra o assento. Minhas botas enormes se apoiam nos pedais.
Minhas mãos espessamente enluvadas e duras, tão desajeitadas no solo, manobram
o manche facilmente. Manobram o manche... Manobram o manche...
— Dutertre?
— ...pitão?
— Verifique primeiro seus contatos.
Está picotando. Você está me ouvindo?
— Sim..., Capi...
— Sacode essa porcaria! Está me
ouvindo?
— A voz de Dutertre volta a ficar
clara:
— Bom. Ainda hoje em dia os comandos
gelam: o manche está duro; quanto aos pedais, estão completamente emperrados!
—“É uma beleza.” Qual altitude?
— Nove mil e sete.
— E o frio?
— Quarenta e oito graus.
— E o seu oxigênio, tudo bem?
— Tudo bem. Capitão.
—Artilheiro, o oxigênio está o.k.?
Nada de resposta.
— Ei, Artilheiro!
Nada de resposta.
—Você está ouvindo o artilheiro,
Dutertre?
— Não estou ouvindo nada, Capitão.
—Chame-o!
— Ei, Artilheiro! Artilheiro!
Nada de resposta.
Mas antes de mergulhar, sacudo
brutalmente o avião para acordar o outro, caso estivesse dormindo.
—Capitão?
— É você. Artilheiro?
— Eu... Hã... Sim.
—Você não tem certeza?
—Tenho.
— Por que não respondia?
— Estava fazendo um teste de rádio.
Tinha desligado!
— Você é um canalha! Tem que avisar!
Quase mergulhei: achei que estivesse morto!
— Eu... Não.
— Acredito na sua palavra. Mas não
me apronte mais uma dessas! Avise-me, pelo amor de Deus, antes de desligar.
— Perdão, Capitão. Entendido,
Capitão. Avisarei.
Pois a pane de oxigênio não é
sensível ao organismo. Ela se traduz por uma euforia vaga que termina, em
alguns segundos, com o desmaio e, em alguns minutos, na morte. O controle
permanente do consumo desse oxigênio é então indispensável, tanto quanto o
controle, pelo piloto, do estado de seus passageiros.
Aperto um pouquinho, então, o tubo
de alimentação de minha máscara, a fim de sentir no nariz as golfadas quentes
que trazem a vida.
Em suma, executo meu trabalho. Não experimento
nada além do prazer físico de atos nutridos de sentido que bastam por si
mesmos. Eu não tenho nem o sentimento de um grande perigo (estava, ao
contrário, preocupado, quando me vestia), nem o sentimento de um grande dever.
O combate entre o Ocidente e o nazismo se toma, dessa vez, na escala de meus
atos, uma ação por manetes, alavancas e torneiras. É bem assim. O amor por seu
Deus, no sacristão, faz-se amor pelo acendimento das velas. O sacristão anda
com passo indiferente, numa igreja que não vê, e ele fica satisfeito em fazer
florir, um a um, os candelabros. Quando todos estão acesos, ele esfrega as
mãos. Está orgulhoso de si.
Eu regulei admiravelmente a rotação
das minhas hélices, e mantenho o cabo a quase um grau. Isso deve maravilhar
Dutertre, se, todavia, ele observar um pouco a bússola...
— Dutertre... Eu... A agulha da
bússola... Tudo bem?
— Não, Capitão. Muita deriva.
Incline à direita.
— Paciência!
— Capitão, estamos passando as
linhas de contato.
Começo minhas fotos.
— Qual a altitude em seu altímetro?
— Dez mil.
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