Saint-Exupéry foi desmobilizado em
31 de julho de 1940, durante sua estada na Tunísia. Embarcou para Marselle em
companhia de outro oficial da reserva da aeronáutica, Paul Creyssel, advogado e
deputado. Durante os quatro meses seguintes, este último foi testemunha das
hesitações de Saint-Exupéry diante das consequências da derrota. Conhecia o
escritor desde 1917, e tinham-se reencontrado em Argel, onde o general Charles
Noguès, comandante das forças armadas da África do Norte, confiara-lhes a
redação de um relatório sobre o estado das forças da aeronáutica. Segundo
Creyssel, as visitas de inspeção semioficiais por eles realizadas com o
propósito de redigir o relatório só aumentaram o pessimismo de Saint-Exupéry,
no tocante ao moral das tropas.
Creyssel, um combatente da Grande
Guerra, era um adepto incondicional de Pétain e contribuiu para persuadir
Saint-Exupéry sobre a integridade do marechal, em detrimento de Charles de Gaulle.
Numa entrevista com um biógrafo americano, Curtis Cate, ele afirma ter
observado as primeiras vacilações das ilusões de Saint-Exupéry sobre De Gaulle
quando o escritor ainda estava a serviço da aeronáutica na Argélia.
No dia 3 de julho, quando a
constituição do novo governo de Vichy ainda estava em preparação, uma unidade
da marinha britânica destruiu a frota francesa em Mers-el-Kebir, para impedi-la
de cair nas mãos dos alemães. Mais de 1.200 marinheiros franceses morreram.
Creyssel relata que Saint-Exupéry ficou revoltado com a declaração de De
Gaulle, que acolheu com indulgência o ataque britânico. Ele não podia admitir
as alegações do general, segundo as quais o governo de Pétain estaria prestes a
entregar a frota francesa aos nazistas.
Não existe nenhum vestígio escrito
dessa conversa, porém não resta dúvida de que a aniquilação da marinha deve ter
chocado profundamente Saint-Exupéry. Como a maioria dos franceses, ele acreditava
firmemente que o marechal estava determinado a resistir aos alemães, porém ao
mesmo tempo receava ter de se engajar num combate entre compatriotas. Sua
lealdade fraterna aos pilotos do 2/33, que continuaram a servir o governo de
Vichy em sua base da África do Norte até 1943, teria sido suficiente para dissuadi-lo
de unir-se às forças da França Livre. Pouco tempo depois, suas predições sobre
conflitos fratricidas realizaram-se com o ataque a Dacar pelas forças
gaullistas em 1940, seguido por combates entre Vichy e a França Livre na Síria.
Parecia que a França mergulharia numa guerra civil sem trégua, análoga à da
Espanha.
As recordações de Creyssel permitem
imaginar o estado de espírito de Saint-Exupéry algumas horas depois de seu
retorno da África do Norte. Henri Guillaumet também fora desmobilizado e chegou
a Marselle pouco tempo depois de Antoine. Os dois foram para um bar, em
companhia de Creyssel, e Saint-Exupéry tentou consolar seu velho amigo, cujo
povoado natal fora ocupado. Em sua opinião, a continuação da guerra levaria à
destruição total da França, com a devastação das cidades e um país que
sangraria até a morte. Estava convencido de que a posição de De Gaulle só
provocaria sofrimentos inúteis, e nada nas semanas seguintes contribuiu para fazê-lo
mudar de opinião. Por outro lado, sua análise pessoal sobre as principais
causas da derrota coincidia com a posição oficial de Vichy e da Igreja, apoio
espiritual dominante do regime. A hierarquia católica apoiou publicamente a
conclamação de Pétain a uma “revolução nacional”, acusando a decadência moral
de ser a causa da queda da França.
Apesar de sua falta de interesse
pela religião, Saint-Exupéry achava que a França só reencontraria sua grandeza
através de um renascimento espiritual. Ao retirar-se para o castelo de Agay,
onde já estava sua mãe em companhia de Gabrielle, tinha a intenção de trabalhar
em Cidadela e também de participar na
elaboração de um novo código moral.
Entretanto, não era tão fácil eludir
as opções políticas e ele não abandonou a esperança de desempenhar um papel e de
assumir responsabilidades: informava-se regularmente sobre a possibilidade de
partir para a Inglaterra. Muitos dos que o rodeavam não vacilaram entre a
resistência passiva e a ativa, e aliaram-se a Vichy, esperando influir sobre o
aparelho de Estado no seu próprio seio, ou a De Gaulle após a convocação de 18
de junho. Seu primo e antigo colega de estudos, o oficial da marinha Honoré
d’Estienne d’Orves, optara pelo gaullismo. Em 10 de julho de 1940, abandonou
seu navio em Alexandria, no Egito, para unir-se às Forças Livres francesas.
D’Estienne d’Orves recebera a mesma educação
social e religiosa que Antoine, e poucos exemplos ilustram tão bem o papel
desempenhado pelo acaso na escolha de um campo em 1940. Enquanto Saint-Exupéry
afirmava que a França só poderia ser salva com a intervenção dos Estados
Unidos, se este país aceitasse abandonar sua neutralidade, D’Estienne d’Orves
entrava na Resistência em Londres, tendo sido enviado em missão de espionagem à
França em 21 de dezembro de 1940.
Ao contrário de Saint-Exupéry, que
repetia incessantemente que um juramento militar o obrigava a permanecer leal
ao marechal Pétain, chefe dos exércitos, seu primo optou por agir “segundo as
tradições de nossa família”, desafiando Vichy. D’Estienne d’Orves passara a
vida adulta na marinha, a instituição militar mais propensa a uma obediência
cega a Pétain. Católico, fora educado na mais pura tradição monarquista; no
entanto, aliou-se espontaneamente a De Gaulle e foi oficialmente condenado à
morte por traição pelo governo francês, antes de ser executado pelos alemães em
29 de agosto de 1941.
Ele obedecia ao seu sentimento
pessoal de honra, enquanto Saint-Exupéry não parava de procurar provas para se
convencer de que De Gaulle não era digno de confiança. Nelly de Vogüé morava
perto do castelo de Agay e, segundo o biógrafo Curtis Cate, seu marido exerceu
grande influência na decisão tomada por Saint-Exupéry. Jean de Vogüé, capitão
da marinha do círculo do almirante François Darlan, encontrara De Gaulle em
Londres. Ele desaconselhou Saint-Exupéry a apoiar o general, descrevendo-o como
um homem com o qual era impossível se entender. Porém, essa advertência não
impediu Jean de Vogüé de lutar no seio de um grupo batizado “Os da Resistência”
nem de servir no Conselho Nacional da Resistência, em companhia de gaullistas e
comunistas.
Apesar de suas intenções de
dedicar-se a Cidadela, o homem de
ação finalmente derrotou o escritor e Saint-Exupéry dirigiu-se três ou quatro
vezes a Vichy para estudar a possibilidade de colocar sua experiência a serviço
do Estado. Assim como Creyssel, obteve uma entrevista com Pétain. No escritório
deste, notou a presença do livro La
Prusse après Iéna. Será que esta obra estava lá para insinuar que o
marechal trabalhava secretamente para a Resistência? Pétain não era o único a
dar a impressão de ganhar tempo, como os prussianos em 1806, após a derrota
infligida por Napoleão. A ressurreição da Prússia e a preparação de uma
revanche também serviam de inspiração a alguns antinazistas do governo de
Vichy.
Alguns deles debandaram rapidamente quando Pétain
encontrou-se com Hitler em outubro de 1940, oferecendo-lhe a íntima colaboração
da França com as forças de ocupação. Outros apoiaram o regime de Vichy até a
invasão total do território em 1942 e depois uniram-se aos resistentes. O resto
permaneceu fiel ao marechal, mesmo após sua condenação à prisão perpétua por
traição, em 1945.
A lealdade de Saint-Exupéry a Pétain
era contrabalançada pela pouca confiança que outorgava à sua administração. Não
descobriu nada em Vichy que pudesse convencê-lo de que os erros políticos e
militares que tinham causado a aniquilação do país tinham sido retificados. A
pequena estação termal do Auvergne era o palco de conspirações fratricidas, no
qual se opunham clãs rivais.
A presença de Pierre Laval, o delfim
de Pétain, parecia particularmente escandalosa. Era notoriamente conhecido pelo
seu arrivismo político, que o levou a se aproveitar da desgraça francesa para
satisfazer sua ambição. Segundo Nelly de Vogüé, que, na época, se encontrava em
Vichy, Saint-Exupéry teria saudado ruidosamente a entrada de Laval no
restaurante do hotel du Pare com um retumbante: “Eis aqui o sem-vergonha que
vende a França”. Naquela época, Saint-Exupéry recusou diversas propostas de
cargos no novo governo. Também não fora convencido pelos que tentavam aliá-lo à
causa de um movimento de resistência com base em Vichy, dirigido por homens que
esperavam que os alemães pudessem ser vencidos desde o interior.
Sua convicção de que a França só
poderia ser salva pelos americanos foi reforçada por uma viagem que fez a Paris
com o pró-nazista Pierre Drieu la Rochelle. Graças à influência de Drieu,
Saint- Exupéry obteve um salvo-conduto que lhe permitiu ir visitar seus amigos,
Yvonne de Lestrange e Jean Lucas, na zona ocupada.
Ver Paris nas mãos dos ocupantes
confirmou sua opinião sobre a invencibilidade dos nazistas. Os alemães
trataram-no com desconfiança, e seu sentimento de impotência aumentou ao ser
submetido a um interrogatório. Tinha tanto medo de ser surpreendido fora
durante o toque de recolher, que literalmente atravessou Paris correndo para
procurar refúgio no apartamento de um de seus amigos, antes de voltar à rue
Michel-Ange para recuperar seus blocos de anotações. ,
Nelly de Vogüé assistiu ao episódio.
Conta que ele corria com a velocidade desajeitada de um urso e afirma que era
difícil não rir ao vê-lo saltar, ofegante e vociferante, subindo a galope a
Avenue President Wilson. “Nos momentos de grande nervosismo, ele costumava
dramatizar”, escreveu ela. “Ao chegar à casa de um amigo, suas roupas
precisavam ser torcidas de tão molhadas e seus pés estavam cobertos de bolhas.
Por fim, ele começava a rir: ‘Não nasci para viver em zona ocupada’”.
Outro encontro aumentou sua
determinação de prosseguir o combate no exterior. Em outubro de 1940, após
chegar à zona livre, foi visitar Léon Werth, refugiado em Saint-Amour, seu
povoado do Jura. Vichy tinha acabado de introduzir a legislação antissemita que
obrigou Werth a permanecer escondido durante toda a guerra. Ele mostrou-se
favorável ao plano de partida de Antoine para os Estados Unidos, e
Saint-Exupéry tentou reconfortá-lo sobre a perspectiva de uma longa presença
nazista, comparando a ocupação a uma locomotiva circulando num pequeno jardim.
“Os alemães não sabem como lidar com isso”, teria dito ele.
Ainda não se decidira a executar seu
projeto americano, e aproveitou diversas ocasiões para estudar soluções
alternativas com amigos. No final de outubro de 1940, foi a Côte d’Azur visitar
André Beucler, autor do prefácio de Correio
Sul, e Raymond Bernard, que tinha dirigido sua adaptação filmada, bem como Gaston
Gallimard. Repetiu-lhes sua opinião de que a salvação da França dependia da
intervenção americana. O exemplo de outros escritores das Éditions Gallimard
não era nada encorajador. Com exceção de Drieu, que optara pelo campo nazista
em companhia de Robert Brasillach e Louis-Ferdinand Céline, a maioria deles
preparava-se para esperar tranquilamente o final da ocupação. Alguns
deixaram-se levar pela admiração por Pétain. Outros, como Paul Morand, apoiaram
incondicionalmente a legislação antissemita que levou à perseguição e ao
assassinato de homens de letras judeus, como Benjamin Crémieux, que propiciara
o encontro entre Consuelo e Antoine.
André Gide pregava a submissão ao
ocupante nazista. Escreveu em seus diários que o compromisso com o inimigo não
era sinal de covardia mas sim de sabedoria, e que de nada servia dar com a
cabeça nas grades da jaula.
Joseph Kessel foi a única
personalidade literária a se aliar sem hesitação à Resistência. André Malraux,
cuja participação na guerra resumira-se a uma batalha de blindados na qual os
tanques franceses enguiçaram, também decidiu esperar os americanos e
instalou-se na Côte d’Azur para escrever.
Face a tantas opiniões
contraditórias, e com falta de exemplos francamente corajosos, Saint-Exupéry seguiu
sua primeira inclinação. Em dezembro de 1940, quando foi visitar a mãe na
pequena casa do povoado de Cabris, nas colinas da região de Cannes, já tinha
tomado a decisão de partir. Como presente de despedida ofereceu a Marie um
aparelho de rádio. Mãe e filho nunca mais se reveriam.
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