terça-feira, 6 de junho de 2017

O PEQUENO PRÍNCIPE - 8

No quinto dia, como sempre graças ao carneiro, o segredo da vida do pequeno príncipe me foi revelado. Repentinamente, do nada, ele me perguntou, como se a sua questão houvesse nascido de uma longa e silenciosa reflexão:

"Se um carneiro come grama e arbustos, por acaso ele também come flores?”

"Um carneiro se alimenta de tudo o que ele encontra ao seu alcance.”

“Mesmo as flores que têm espinhos?”

"Sim, mesmo as flores que têm espinhos.”

"E os espinhos, então, para que eles servem?"

Eu não sabia responder. Naquele momento eu estava um tanto ocupado tentando desatarraxar do motor um parafuso que estava muito apertado. Eu estava cada vez mais preocupado, pois ficava claro que o estrago em meu avião era extremamente grave. E havia sobrado tão pouca água para beber que eu já começava a temer pelo pior.

“Os espinhos, para que eles servem afinal?”

O pequeno príncipe nunca abandonava uma questão sem resposta. Mas como eu já estava irritado com aquele parafuso, eu o respondi com a primeira coisa que me veio à mente:

"Os espinhos não servem para nada. As flores têm espinhos por pura maldade!”

"Oh!”

Houve um momento de completo silêncio. Então, o pequeno príncipe ergueu a voz para mim, um tanto quanto ressentido:

“Não, eu não acredito em você! As flores são criaturas frágeis e ingênuas. Elas se defendem dos perigos o melhor que podem. Elas creem que os seus espinhos são como armas terríveis..."

Eu não lhe respondi. Naquele instante eu estava pensando comigo mesmo: “Se esse maldito parafuso continuar não girando, eu vou ter de arrancá-lo com o martelo”. Mas o pequeno príncipe me interrompeu mais uma vez:

"Você crê realmente que as flores..."

“Não, não, não! Eu não creio em coisa alguma. Eu apenas o respondi com a primeira coisa que me surgiu na mente. Você não percebe que eu estou muito ocupado com coisas sérias?!”

E o pequenino me encarou, assombrado:

"Coisas sérias!”

Ele continuou me analisando, com o meu martelo em punho, meus dedos sujos de graxa, curvado sobre um objeto que lhe parecia extremamente horrendo...

"Você fala exatamente como as pessoas grandes!”

Isto me deixou um pouco envergonhado; mas ele prosseguiu, implacável:

"Você mistura tudo... Você fica se confundindo com tudo...”

Ele realmente havia se irritado, e deixava o vento sacudir os seus cachos dourados:

"Eu conheço um planeta onde há um sujeito de face bem vermelha. Ele nunca sentiu o cheiro de uma flor. Ele nunca contemplou estrela alguma. Ele jamais amou alguém. Ele nunca fez outra coisa da vida que não somar números.

E durante o dia todo ele dizia, exatamente como você: 'Eu estou ocupado com coisas sérias!'. E isto fazia com que se inchasse todo de orgulho.

Mas esse sujeito não é um homem, é um cogumelo!”

O quê?!'

“Um cogumelo!"

O pequeno príncipe já estava branco de raiva:

“As flores têm crescido espinhos por milhões de anos, e por milhões de anos os carneiros às têm devorado da mesma forma. E por acaso não é algo seríssimo tentar entender porque as flores têm tanto trabalho de crescer seus espinhos se eles nunca lhes servem de coisa alguma?

Não seria o conflito entre os carneiros e as flores algo de extrema importância? Esse assunto não é muito mais sério do que a contabilidade do tal sujeito de face vermelha?

E, se eu conhecesse uma flor única no mundo, e que não cresce em planeta algum além do meu, mas que pode ser destruída por uma única mordiscada de carneiro nalguma manhã, sem que ele nem saiba o que está fazendo, você não acha que isto seria realmente sério, realmente importante?!”



A sua face passou de branca para avermelhada na medida em que prosseguia:

“Se alguém ama uma flor que só floresceu em um dentre milhões e milhões de astros, contemplar as estrelas da noitinha já basta para lhe fazer feliz. Ele pode dizer para si mesmo, ‘Lá, nalgum lugar, está a minha flor...’. Mas se o carneiro devora a flor, neste momento todas as estrelas se enegrecerão... E você ainda acha que isso não é importante!”

Ele não conseguia dizer mais nada. Suas palavras eram interrompidas pelo seu soluço.

A noite havia caído. Eu também havia deixado minhas ferramentas caírem das mãos. Que importância tinham agora o meu martelo, o parafuso, ou a sede, ou a morte?

Numa estrela, num planeta, o meu planeta, na Terra, havia um príncipe pequenino para ser consolado. Eu o tomei em meus braços e o embalei bem devagarinho. Depois, lhe disse assim:

“A flor que você ama não está em perigo. Eu vou desenhar uma mordaça para o seu carneiro. Vou desenhar uma cerca para que coloque em volta da flor. Eu vou...”

Eu não sabia realmente o que lhe dizer, estava mesmo é embaraçado e me sentindo um grande desajeitado. Eu não sabia como poderia lhe tocar em seu íntimo, como poderia lhe dar as mãos e caminhar ao seu lado mais uma vez.

E mesmo um local misterioso... A terra das lágrimas!

Nenhum comentário:

Postar um comentário