quarta-feira, 7 de junho de 2017

CIDADELA - 8

            Assim vim a descobrir, do topo da mais alta torre da cidadela, que nem o sofrimento, nem a morte no seio de Deus, nem o próprio luto se devem chorar. Porque se venerarmos a memória do desaparecido, ele se encontra mais presente e tem mais poder do que o vivo. E compreendi a angústia dos homens e lamentei os homens.
                E decidi curá-los.
        Tenho compaixão somente daquele que desperta no meio da grande noite patriarcal, convencido de estar abrigado pelas estrelas de Deus, e de repente sente a viagem.
                Proíbo que o interroguem, porque sei muito bem que não há resposta que sacie a sede. Aquele que interroga, o que procura primeiro é o abismo.
               
                Condeno a inquietação que leva os ladrões ao crime, depois de ter aprendido a interpretar seus rostos e saber que não os salvo se os libero da sua miséria. Porque se eles julgam que cobiçam o ouro de outro, estão enganados. Mas o ouro brilha como uma estrela. Esse amor que se ignora é dirigido a uma luz que jamais captarão. Vão de reflexo em reflexo, roubando bens inúteis, como doido que, para se apoderar da lua, esgotasse a água negra das fontes, onde ela se reflete. Vão e lançam ao fogo miúdo das orgias a cinza inútil que roubaram. Depois, voltam a empreender os seus cruzeiros noturnos, pálidos como a caminho de um encontro, imóveis com receio de assustar, imaginando que isso talvez um dia os venha a saciar.
                Se porventura o liberto, irá continuar fiel ao seu culto e meus soldados ao revirar o mato voltarão a surpreendê-lo amanhã nos jardins de outro, com o coração disparado, convencido de que essa noite sua sorte mudaria.
                Na verdade, os cubro primeiro com o meu amor, por perceber neles mais devoção do que nos virtuosos em suas lojas. Mas sou um construtor de cidades. Decidi assentar aqui os alicerces da minha cidade. Fiz parar a caravana em marcha. Que não passava de grãos dispersos no leito do vento. O vento arrasta como um perfume a semente do cedro. Já eu resisto ao vento e enterro a semente, e os cedros crescem para glória de Deus.
                É preciso que o amor encontre o seu objeto. Salvo apenas aquele que ama aquilo que é e que pode ser saciado.



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