Em Nova York, as semanas de inércia
forçada levaram Saint- Exupéry a trabalhar seriamente no novo livro. Incapaz de
escrever outro romance após a crítica desfavorável de alguns dos colegas a Voo Noturno,
estava pensando há algum tempo em reunir num mesmo volume os artigos dispersos
publicados em diversos jornais e revistas. Em 1945, André Gide reivindicou ter-lhe
dado a ideia de Terra dos Homens.
Gide sugerira que Saint-Exupéry
reunisse “em feixe ou ramo” textos sobre a aviação, seguindo o modelo de Miroir de la Mer, de Conrad. Antoine
começou imediatamente a ler essa coletânea de histórias vividas nos oceanos.
Depois mostrou uma seleção de seus próprios textos a Gide, que declarou que
eles “ultrapassavam seus sonhos e esperanças”. A influência de Gide sobre
Saint-Exupéry existia desde meados dos anos 20, quando desempenhara o papel de
seu padrinho na editora Gallimard. Da mesma forma que Saint-Exupéry fora
adotado pela família Werth, o jovem autor e sua família deram grandes provas de
amizade a Gide. No entanto, o contato deste com Saint-Exupéry sempre se baseou
fundamentalmente no respeito profissional.
Além de seu vínculo com Yvonne de
Lestrange, anterior à época em que Saint-Exupéry foi estudar em Paris, Gide
apreciava muito a companhia de Marie de Saint-Exupéry e morou perto dela na
mesma pequena aldeia provençal de Cabris, durante a Segunda Guerra Mundial. Em
1943, após regressar da Argélia, onde tinha se refugiado, Gide jantava frequentemente
com Saint-Exupéry, que voltara dos Estados Unidos, tentando convertê-lo ao
gaullismo. No entanto, os abundantes diários publicados por Gide oferecem pouca
informação sobre a extensão de sua influência em matéria de estilo literário ou
de ideias filosóficas. Sem o admitir abertamente, é possível que Gide tenha
ficado um pouco impressionado pelo jovem escritor, audacioso e viril, e além
disso proveniente de um ambiente aristocrático.
Na admiração de Gide por
Saint-Exupéry, trinta anos mais moço que ele, encontramos o mesmo fervor que
sentiu pela figura exaltada e aventureira de André Malraux. Em sua amizade com
esses escritores, que considerava as mais brilhantes inteligências do século,
entrava um pouco de admiração pelo fato de os mesmos serem homens de ação.
Apesar dos elogios dedicados por Gide a Saint-Exupéry após sua morte, suas
relações não eram simples, e nelas faltava a tolerância às ideias contrárias
que caracterizava o relacionamento entre Antoine e Léon. Com frequência, Saint-Exupéry
desconcertava-se com as mudanças de humor de Gide e sua personalidade complexa.
Após a morte de Antoine, Gide admitiu que diversas vezes tinham entrado em
divergência.
“Sobre alguns pontos ou pessoas não
podíamos nos entender”, escreveu Gide após a guerra. Ele sempre voltava à carga
com a obstinação de uma criança teimosa. Depois telefonava: “Digam a Gide:
receio tê-lo magoado”.
A ideia de Gide de publicar num só
volume toda a coleção de artigos marcou o início de uma série de episódios cuja
consequência foi a publicação do livro mais popular de Saint-Exupéry anterior à
guerra. Após seu acidente na Guatemala, morou diversas semanas em Nova York num
apartamento do East River, emprestado pelo coronel William Donovan, futuro
chefe do serviço secreto durante a guerra, órgão que mais tarde se transformou
na CIA.
Entre dois períodos passados no
hospital, onde os médicos consideraram seriamente a possibilidade de amputar
sua mão, Saint- Exupéry mencionou seu projeto a diversas personalidades do
mundo literário. Jean Prévost, redator-chefe do extinto Navire d’Argent, que se
encontrava em Nova York em viagem de estudos, apresentou-o a um editor, Eugène
Reynal, cujo novo sócio, Curtice Hitchcock, já encontrara Saint-Exupéry em
Paris. Não se sabe exatamente em que momento o negócio foi fechado, pois o
contrato foi assinado mais tarde, quando um agente literário entrou em contato
com Saint-Exupéry em Paris, após seu regresso à França na primavera de 1938.
Segundo Rainer Biemel, intermediário
das negociações, a editora propôs ao autor um adiantamento de 5.000 dólares
sobre a publicação, a maior quantia de dinheiro que recebera por um livro.
Em março de 1938, Saint-Exupéry
instalou-se num apartamento da rue Michel-Ange, no 16éme arrondissement, não muito afastado da
sua antiga residência da Place Vauban. A rue Michel-Ange está situada perto do
hipódromo de Auteuil, e Saint-Exupéry nunca morara tão longe do centro da
capital. Geralmente comunicava-se com Consuelo por telefone, e ela encarou mal
essa separação. Confiou a Suzanne Werth que há três anos vinha sofrendo com a
iminência dessa ruptura, e descrevia como agonia seu desgosto amoroso, comparando-o
a caranguejos que apertavam seu estômago. Ela pensava que Antoine a abandonara
definitivamente para viver com outra mulher.
Mesmo que o apartamento da rue
Michel-Ange fosse um ninho de amor, ele conservava a marca excêntrica de
Saint-Exupéry. Como os domicílios anteriores, estava aberto a uma multidão de
amigos e conhecidos que eram acolhidos por Boris, o mordomo russo. Este antigo
general do exército do czar, de rosto lúgubre, já presidia os destinos
domésticos nas residências dissociadas da Place Vauban.
Rainer Biemel, o agente literário,
percebeu que não seria fácil falar de negócios no chamado quartel-general de Terra
dos Homens. Quando compareceu à rue Michel-Ange para ler a Saint-Exupéry os
termos do contrato, foi testemunha da cerimônia cotidiana na qual Boris servia
ao patrão uma colherada de azeite de oliva, para curar sua doença do fígado.
Ao ver a careta que Saint-Exupéry
fazia ao engolir o remédio, Biemel informou-lhe que poderia comprar cubos de
azeite de oliva congelados num restaurante de Marselha. Essa sugestão foi
adotada por Antoine e seus amigos passaram a protestar com frequência, pois sua
geladeira ficava repleta de cubos de azeite de oliva quando o autor os
visitava. Tendo solucionado a questão da difícil digestão do autor, Biemel teve
de assistir à demonstração de sua última aquisição, uma caneta-tinteiro de
cartuchos que evitava, nas viagens aéreas, os problemas de vazamento das
canetas tradicionais. Quando essa distração terminou, ele conseguiu persuadir
Saint-Exupéry a combinar um encontro com o representante americano da editora
de Nova York.
André Gide, (1869 - 1951), grande amigo de Saint-Exupéry,
escritor, poeta, ensaísta, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1947
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