quinta-feira, 1 de junho de 2017

CIDADELA - 7

Os juízes da cidade condenaram um dia uma jovem, que tinha cometido não sei que crime, a se despir sob o sol, da sua mimosa casca de pele e para isso simplesmente mandaram amarrá-la a uma estaca no deserto.

“Vou te mostrar, me disse meu pai, para onde se inclinam os homens”.

E levou-me de novo consigo.

Já íamos a caminho, e o dia passou todo sobre ela, e o sol bebeu-lhe o sangue morno, a saliva e o suor das axilas.

Bebeu nos olhos dela a água de luz. Caía a noite, e a sua breve misericórdia com ela, quando eu e meu pai chegamos à beira do planalto proibido, onde emergia branca e nua da base da rocha, mais frágil do que um caule alimentado pela umidade, agora cortado, separado dos mananciais de água que constroem na terra o seu denso silêncio, retorcia os braços como um ramo de videira que já estalasse no incêndio, apelava para a compaixão de Deus.

Escuta, disse meu pai”. Eis que ela descobre o essencial...”

Mas eu era criança e pusilânime.

“Talvez ela esteja sofrendo, respondi, talvez ela tenha medo...

— Ela já ultrapassou, disse meu pai, o sofrimento e o medo, doenças do estábulo, que atacam o humilde rebanho”. Ela descobre agora a verdade”.

E a ouvi queixar-se.
Apanhada nessa noite sem fronteiras, clamava pelo lampião que à noite se acende no lar, e o quarto que a teria envolvido, e a porta que atrás dela ficasse bem fechada. Exposta a todo o universo que não exibia qualquer espécie de rosto, pedia o filho que se abraça antes de adormecer e que resume tudo no mundo.

Submetida, no topo deste planalto deserto, à passagem do desconhecido, cantava os passos do esposo que à noitinha se fazem ouvir na soleira da porta, que se reconhece e tranquilizam.

Exposta à imensidão e sem nada mais a que se agarrar, suplicava que lhe restituíssem esses empecilhos que são as únicas coisas que constroem a existência: a meada de lã para tecer, aquela tigela para lavar, e só aquela, essa criança para fazer adormecer e não outra. Ela implorava à eternidade pelo lar, envolto por toda a aldeia para a mesma oração da noite.
Meu pai colocou-me de novo na garupa, quando a cabeça da condenada lhe caiu sobre um dos ombros. E nos deixamos ir com o vento.

“Vais ouvir, disse meu pai, seus sussurros essa noite nas tendas e as acusações de crueldade. Mas as tentativas de rebelião, eu enfio goela abaixo. Trato de moldar o homem”.

E no entanto, eu percebia a bondade de meu pai”.

Quero que amem, concluía ele, as vivas águas das fontes. E a superfície contínua da cevada verde, recozida na crepitação do verão.
Quero que glorifiquem o regresso das estações.
Quero que se alimentem, semelhantes a frutos que amadurecem, de silêncio e de calma.
Quero que chorem por muito tempo seus lutos, que prestem demoradas homenagens aos mortos, porque a herança passa lentamente de geração a geração e não quero que derramem o seu mel pelo caminho.
Quero que sejam como o ramo de oliveira.
Que sabe esperar. Então começarão a sentir o grande balançar de Deus, que vem como um sopro exercitar a árvore. Que vai conduzi-los e depois levá-los da aurora ao crepúsculo, do verão ao inverno, das colheitas que crescem às colheitas já armazenadas, da mocidade até a velhice e depois da velhice aos recém-nascidos.

“Porque, tal como a árvore, não descobres coisa alguma se desdobras o homem pela sua duração e o distribuis pelas suas diferenças.
A árvore não é semente, depois caule, depois tronco flexível, depois madeira morta.
Não se deve dividi-la para conhecê-la.
A árvore é essa força que desposa aos poucos o céu.
O mesmo ocorre contigo, meu jovem.
Deus te faz nascer, crescer, te preenche sucessivamente de desejos, de pesares, de alegrias e sofrimentos, de cóleras e de perdões, e te faz regressar a Ele.
E, no entanto, não és aquele estudante, nem aquele esposo, nem aquela criança, nem aquele velho.
És aquele que se realiza.
E, se sabes ver em ti um ramo que balança, bem ligado à oliveira, nos teus movimentos hás de gozar da eternidade.
E tudo à tua volta se tornará eterno.
Eterna a fonte que canta e soube matar a sede a teus pais, eterna a luz dos olhos quando a bem-amada te sorrir, eterno o frescor das noites.
O tempo deixa de ser uma ampulheta que vai gastando a areia, e se torna um ceifeiro que ata o seu feixe.


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