Os juízes da cidade
condenaram um dia uma jovem, que tinha cometido não sei que crime, a se despir
sob o sol, da sua mimosa casca de pele e para isso simplesmente mandaram
amarrá-la a uma estaca no deserto.
“Vou te mostrar, me disse meu pai, para onde se inclinam os homens”.
E levou-me de novo consigo.
Já íamos a caminho, e o dia passou todo sobre ela, e o sol bebeu-lhe o sangue morno, a saliva e o suor das axilas.
Bebeu nos olhos dela a
água de luz. Caía a noite, e a sua breve misericórdia com ela, quando eu e meu
pai chegamos à beira do planalto proibido, onde emergia branca e nua da base da
rocha, mais frágil do que um caule alimentado pela umidade, agora cortado,
separado dos mananciais de água que constroem na terra o seu denso silêncio,
retorcia os braços como um ramo de videira que já estalasse no incêndio,
apelava para a compaixão de Deus.
Escuta, disse meu pai”.
Eis que ela descobre o essencial...”
Mas eu era criança e
pusilânime.
“Talvez ela esteja
sofrendo, respondi, talvez ela tenha medo...
— Ela já ultrapassou,
disse meu pai, o sofrimento e o medo, doenças do estábulo, que atacam o humilde
rebanho”. Ela descobre agora a verdade”.
E a ouvi queixar-se.
Apanhada nessa noite sem
fronteiras, clamava pelo lampião que à noite se acende no lar, e o quarto que a
teria envolvido, e a porta que atrás dela ficasse bem fechada. Exposta a todo o
universo que não exibia qualquer espécie de rosto, pedia o filho que se abraça
antes de adormecer e que resume tudo no mundo.
Submetida, no topo deste
planalto deserto, à passagem do desconhecido, cantava os passos do esposo que à
noitinha se fazem ouvir na soleira da porta, que se reconhece e tranquilizam.
Exposta à imensidão e
sem nada mais a que se agarrar, suplicava que lhe restituíssem esses empecilhos
que são as únicas coisas que constroem a existência: a meada de lã para tecer,
aquela tigela para lavar, e só aquela, essa criança para fazer adormecer e não
outra. Ela implorava à eternidade pelo lar, envolto por toda a aldeia para a
mesma oração da noite.
Meu pai colocou-me de
novo na garupa, quando a cabeça da condenada lhe caiu sobre um dos ombros. E
nos deixamos ir com o vento.
“Vais ouvir, disse meu
pai, seus sussurros essa noite nas tendas e as acusações de crueldade. Mas as
tentativas de rebelião, eu enfio goela abaixo. Trato de moldar o homem”.
E no entanto, eu
percebia a bondade de meu pai”.
Quero que amem, concluía
ele, as vivas águas das fontes. E a superfície contínua da cevada verde,
recozida na crepitação do verão.
Quero que glorifiquem o
regresso das estações.
Quero que se alimentem,
semelhantes a frutos que amadurecem, de silêncio e de calma.
Quero que chorem por
muito tempo seus lutos, que prestem demoradas homenagens aos mortos, porque a
herança passa lentamente de geração a geração e não quero que derramem o seu
mel pelo caminho.
Quero que sejam como o
ramo de oliveira.
Que sabe esperar. Então
começarão a sentir o grande balançar de Deus, que vem como um sopro exercitar a
árvore. Que vai conduzi-los e depois levá-los da aurora ao crepúsculo, do verão
ao inverno, das colheitas que crescem às colheitas já armazenadas, da mocidade
até a velhice e depois da velhice aos recém-nascidos.
“Porque, tal como a
árvore, não descobres coisa alguma se desdobras o homem pela sua duração e o
distribuis pelas suas diferenças.
A árvore não é semente,
depois caule, depois tronco flexível, depois madeira morta.
Não se deve dividi-la
para conhecê-la.
A árvore é essa força
que desposa aos poucos o céu.
O mesmo ocorre contigo,
meu jovem.
Deus te faz nascer,
crescer, te preenche sucessivamente de desejos, de pesares, de alegrias e
sofrimentos, de cóleras e de perdões, e te faz regressar a Ele.
E, no entanto, não és
aquele estudante, nem aquele esposo, nem aquela criança, nem aquele velho.
És aquele que se
realiza.
E, se sabes ver em ti um
ramo que balança, bem ligado à oliveira, nos teus movimentos hás de gozar da
eternidade.
E tudo à tua volta se
tornará eterno.
Eterna a fonte que canta
e soube matar a sede a teus pais, eterna a luz dos olhos quando a bem-amada te
sorrir, eterno o frescor das noites.
O tempo deixa de ser uma
ampulheta que vai gastando a areia, e se torna um ceifeiro que ata o seu feixe.
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