segunda-feira, 19 de junho de 2017

CIDADELA - 10

E eu caminhava no meio do meu povo pensando na troca que não é mais possível quando mais nada de estável perdura entre as gerações e sobre o tempo que se esvai então, como uma ampulheta. E pensava: Essa morada ainda não é bastante ampla, nem a obra pela qual se troca é bastante duradoura. E sonhava com os faraós, que mandaram edificar grandes mausoléus indestrutíveis e angulosos, e que avançam no oceano do tempo que os consome lentamente em poeira. Sonhava com as grandes areias virgens das caravanas, donde vez por outra emerge um templo antigo, meio sepultado e como já tendo perdido os mastros pela invisível tempestade azul, vagando meio à deriva, mas já condenado. E eu pensava: este templo ainda não é bastante duradouro, apesar do seu carregamento de dourados e de objetos preciosos que custaram longas vidas humanas, com esse mel armazenado por tantas gerações, essas filigranas de ouro, esses dourados sacerdotais pelos quais se trocaram lentamente velhos artesãos, e essas toalhas bordadas, onde doces velhinhas queimaram lentamente os olhos ao longo da vida, e já encarquilhadas, doentes, sacudidas já pela morte, deixaram atrás de si essa cauda real. Essa planície que se estende... E aqueles que hoje as veem, se dizem: "Que bonito é este bordado! Que lindo...” E descubro que essas velhinhas fiaram a seda nas metamorfoses de si próprias. Não se sabiam tão maravilhosas.

Mas é preciso construir o grande caixão para receber o que deles restar. E o veículo para os carregar. Porque respeito em primeiro lugar o que dura mais do que os homens. E salvo assim o sentido das suas trocas. E constituo o grande tabernáculo, ao qual eles confiam tudo o que são.

Ainda hoje encontro estes vagarosos navios no deserto. Ainda fazem as suas viagens. E aprendi uma coisa essencial: é preciso construir primeiro o navio e aparelhar a caravana e construir o templo que dura mais do que o homem. E então eles se trocam alegremente por coisas mais valiosas do que eles próprios. E nascem os pintores, os escultores, os gravadores e os cinzeladores. Mas não espero nada do homem se ele só trabalhar para sua própria vida e não para sua eternidade. Porque então seria inútil lhes ensinar a arquitetura e as suas regras. Se construírem casas para nelas viver, de que serve trocarem suas vidas por casas? Porque essa casa deve servir sua vida e não uma outra. E chamam de útil a casa e não a veem por si própria, mas apenas pela comodidade que proporciona. Ela os serve e eles se ocupam em enriquecê-la. Mas morrem sem nada, porque não deixam deles nem a toalha bordada, nem o dourado sacerdotal ao abrigo de um navio de pedra. Pediram-lhes que se trocassem, e em vez disso eles quiseram ser servidos. E quando se vão nada resta atrás deles.

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