sábado, 10 de junho de 2017

CORREIO SUL - 8

Geneviève jamais falara a Bemis sobre Herlin, seu marido. Naquela noite, porém, dissera: "Um jantar enfadonho, Jacques, com muita gente; jante conosco para que eu me sinta menos só!"

            Herlin gesticulava em excesso. Por que essa segurança que não tem na intimidade? Ela o observava, inquieta. Aquele homem pretendia criar uma nova personalidade, não por vaidade, mas para poder acreditar em si próprio. “Meu caro, sua observação é muito justa." Repugnada, Geneviève desvia os olhos: esse gesto amplo, esse tom, essa segurança aparente!

            — Garçom! Charutos.

            Jamais o vira tão agitado e, parece, tão embriagado de seu poder. Em um restaurante, sobre o estrado, conduz-se o mundo. Uma palavra envolve uma ideia e derruba-a. Uma palavra alcança o garçom, o maítre, pondo-os em movimento.

            Dissimuladamente, Geneviève sorri. Por que esse jantar político? Por que, depois de seis meses, essa mania de política? Basta a Herlin, para sentir-se forte, deixar-se possuir pelas ideias fortes, sentir desabrochar em si mesmo atitudes fortes. Então, fascinado, separa- se um pouco de sua estátua e se contempla.

            Geneviève volta-se para Bemis, abandonando os demais ao seu
 jogo:

            — Fala-me do deserto, filho pródigo... Quando voltará definitivamente para o nosso meio?

            Bemis a contempla.

            Através da mulher desconhecida, entrevê uma criança de 15 anos que lhe sorri como nos contos de fadas. Uma criança que se oculta, mas esboça um gesto e se denuncia: Geneviève, eu me lembro do sortilégio. Será preciso prendê-la nos braços e apertá-la até fazê-la sofrer. Então, trazida à luz do dia, será ela quem vai chorar...

            Agora, os homens inclinam para Geneviève as suas couraças brancas e exercem o seu oficio de sedutores, como se fosse através de ideias, de imagens, que se conquista uma mulher, como se ela fosse o prêmio de tal concurso. Até seu marido se faz encantador e a desejará esta noite. Descobre-a quando pressente que outros a desejam, quando, em seu vestido de noite, em seu esplendor e seu afã de seduzir, sob a mulher despontou um pouco a cortesã. Geneviève pensa: “Ele só ama o que é medíocre." Por que não a amam completamente? Amam uma de suas facetas, deixando, porém, a outra na obscuridade. Amam-na como se ama à música e ao luxo. É espiritual ou sentimental, e então cobiçam-na. Mas no que ela crê, o que sente e o que traz em si... é desprezado. Sua ternura pelo filho, suas inquietações mais razoáveis, toda essa parte de sombra: negligenciada.

            Todos os homens sentem-se seduzidos por Geneviève. Ofendem-se por sua causa, enternecem-se com ela e parecem dizer para agradar- lhe: "Serei o homem que você quiser.” E é verdade. Tudo isso não tem qualquer importância para Herlin. O que lhe importa realmente é dormir com ela.

            Quase nunca Geneviève tem tempo para pensar no amor!

             Lembra-se dos primeiros dias de seu noivado e sorri: Herlin descobriu inesperadamente que estava apaixonado (será que o esquecera?). Deseja falar com ela, dobrá-la, conquistá-la: “Ora! Não tenho tempo..." Ela caminhava à sua frente, na trilha, cortando pequenos ramos, com sua bengalinha nervosa, ao ritmo de uma canção. A terra molhada cheirava bem. Os ramos batiam em seu rosto como chuva. Ela repetia: “Não tenho tempo... não tenho tempo!” Antes de tudo, era indispensável ir depressa à estufa e cuidar das flores.

            — Você é uma criança cruel, Geneviève!

            — Sim, sem dúvida. Olhe como estão pesadas as minhas rosas! E admirável uma flor pesada.

            — Geneviève, deixe-me beijá-la...

            — Claro. Por que não? Gosta de minhas rosas?

            Os homens gostam sempre de suas rosas.

            “Não, não, meu caro Jacques, não me sinto triste." Inclina-se um pouco para Bemis: “Eu me lembro... era uma menina levada. Criei um Deus para mim. Se me assaltava um desespero infantil, chorava o dia inteiro sobre o irreparável. À noite, porém, uma vez apagada a lâmpada, procurava encontrar meu amigo e dizia-lhe na minha prece: eis o que me acontece e sinto-me fraca demais para reparar minha vida estragada. Mas deixo tudo em Suas mãos: você pode muito mais do que eu. Resolva essas coisas para mim. E adormecia."

            E depois, entre tantas incertezas, há muitas coisas seguras. Geneviève reinava sobre os livros, as flores, os amigos. Pactuava com eles, sabia o gesto que provocava o sorriso, a contrassenha, a única: “Ah! É você, meu velho astrólogo..." Ou quando Bemis entrava: “Sente-se, filho pródigo..." Cada um sentia-se ligado a ela por um segredo, por aquela doçura de ser descoberto, de estar comprometido. A amizade mais pura tomava-se plena como um crime.

            “Geneviève", dizia Bemis, “você reina sempre sobre as coisas".

           Mudava de lugar os móveis da sala, arrastava a poltrona, e enfim, surpreso, o amigo encontrava ali seu verdadeiro lugar no mundo. À vida diária seguia-se um tumulto silencioso de música esparsa, de flores amassadas: tudo quanto a amizade arrebata da terra. Silenciosamente, Geneviève espalhava a paz em seu reino. Bemis adivinhava nela a moça cativa que antes o amara, agora tão longínqua, tão bem defendida...


            Um dia, porém, as coisas se transformaram.


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