Saint-Exupéry sofreu frequentes
crises de melancolia pela morte de numerosos familiares e amigos. Tinha apenas
três anos quando a lista trágica foi aberta com o falecimento do pai. Ficou
muito longa em 1940, com os nomes dos dezessete tripulantes de seu esquadrão,
desaparecidos durante a batalha da França. Por uma estranha coincidência, os
padres que tinham desempenhado um papel decisivo na sua mocidade também
morreram nessa época. O abade Launay, o primeiro a reconhecer seu talento
literário, ficou doente no início da guerra em seu povoado natal, perto de Le
Mans.
O abade Sudour, padrinho de
Saint-Exupéry na Aéropostale, morreu provavelmente do choque causado pela
derrota. Desmaiou enquanto rezava missa em Notre-Dame, e pouco depois faleceu
no hospital. E a sinistra lista parecia não se encerrar nunca. Saint-Exupéry
estava em Lisboa, fazendo os preparativos para a viagem aos Estados Unidos, em
Ia de dezembro de 1940, quando escreveu a Nelly de Vogüé para contar de sua
tristeza ao saber da morte de Henri Guillaumet.
Seu amigo estava pilotando um Farman
de transporte e foi abatido por um caça italiano no Mediterrâneo, cerca de
cinco meses após a rendição francesa. Naquele momento os italianos estavam em
luta contra a marinha real britânica, e o avião francês foi confundido com um
aparelho inglês. “Guillaumet morreu”, escreveu Saint-Exupéry. “Parece-me, esta
noite, que não tenho mais amigos. Não choro por ele: nunca pude chorar pelos
mortos. Mas vou demorar muito tempo para assumir seu desaparecimento e já estou
cansado desse terrível trabalho.
“Isto vai durar meses e meses:
sentirei tanto a sua falta. Será que envelhecemos tão rapidamente assim? Sou o
único que resta da equipe Casa-Dacar da velha época, da grande equipe dos
Bréguet XIV, Collet, Reine, Lassalle, Beauregard, Mermoz, Étienne, Simon,
Lécrivain, Ville, Verneilh, Riguelle, Pichodou e Guillaumet.
“Todos os que passaram por lá estão mortos e
não tenho mais ninguém para partilhar minhas recordações. Eis-me aqui, ancião
desdentado e solitário, ruminando tudo isso para mim mesmo. E da América do Sul
não sobrou nenhum, nenhum...”
A carta encerrava-se com um pedido
de socorro. Ele se perguntava se deveria abandonar seu projeto americano. “Há
uma vida inteira a refazer”, acrescentava.
Desde que saíra da casa da mãe em
dezembro para regressar à África do Norte e tentar verificar pela última vez se
o exército francês tinha a força e a vontade de continuar o combate, Saint-Exupéry
fora invadido pelas dúvidas. Às vezes pensava em juntar-se à RAF, depois
perguntava-se se não deveria retornar à França e ficar junto com a família e a
esposa, pois as notícias recebidas de Consuelo limitavam-se a raros telegramas.
Tomou finalmente uma decisão após
receber um telegrama de seu editor americano, apressando-o a viajar para Nova
York para continuar a promoção de Wind,
Sand and Stars. Também lhe propunha que refletisse sobre a possibilidade de
escrever um novo livro sobre a batalha da França. Saint-Exupéry não obteve
autorização do governo fascista para atravessar a Espanha, onde seus artigos
sobre a guerra civil não tinham sido esquecidos, e foi obrigado a navegar da
África do Norte até Lisboa, de onde embarcou para os Estados Unidos com um
certo número de exilados franceses. No momento em que o navio levantava âncora,
o governo de Pétain acabara de excluir seu vice-presidente, Pierre Laval. Mas,
ao desembarcar nos Estados Unidos, Saint-Exupéry manifestou reservas sobre a forma
com que o novo governo analisava a derrota.
Chegou a Nova York às vésperas do
Ano-Novo, e confiou a um jornalista do New York Times que a responsabilidade
pela derrota francesa cabia ao alto comando militar — que Pétain cuidadosamente
evitara culpar, ocupado em denegrir os antigos primeiros-ministros Léon Blum e
Édouard Daladier. Infelizmente, Saint-Exupéry eludiu as questões diretamente
concernentes a Pétain, segundo a regra por ele adotada na maioria das
entrevistas concedidas durante a guerra. As autoridades de Vichy interpretaram
favoravelmente o seu silêncio, e um mês após sua chegada aos Estados Unidos foi
nomeado membro do Conselho Nacional de Governo, organismo consultivo que
incluía personalidades que mais tarde passaram a se opor ao regime.
No dia da oficialização dessa
nomeação, ele a recusou publicamente em uma declaração à imprensa americana,
esclarecendo que não fora consultado previamente. Antoine não se considerava um
político e tinha a intenção de utilizar sua influência apenas para promover os
interesses franceses através de seus escritos.
Apesar dessa recusa, e embora ele
expressasse sua indignação contra os boatos que lhe atribuíam uma missão
secreta por conta do governo de Vichy, os gaullistas influentes lançaram contra
ele uma insidiosa campanha difamatória, que prosseguiu até sua morte.
Desde o início, Saint-Exupéry
sentiu-se magoado com a propaganda gaullista que insinuava que ele era covarde
ou traidor. Mas, durante a maior parte de 1941, suas preocupações foram mais
pessoais do que políticas, e abandonou sua ideia inicial de retornar à França
após um mês. Estava sendo pressionado para terminar seu livro sobre o voo de
Arras e precisava encontrar uma maneira de retirar Consuelo da França. Demorou
cerca de um ano para levar os dois projetos a bom termo. Lewis Galantière, seu
tradutor, foi quem melhor descreveu sua vida e estado de espírito durante o ano
de 1941, no artigo publicado na Atlantic
Monthly, em 1947. Galantière perguntava-se com certa preocupação se
Saint-Exupéry seria capaz de adaptar-se a outro país que não fosse a França.
“Nunca encontrei nenhum homem tão pouco feito para a neutralidade, a emigração,
o exílio”, escreveu.
Na verdade, Saint-Exupéry tentava
esquecer que estava morando num país anglófono frequentando apenas exilados
franceses ou francófonos — cujas convicções políticas representavam um leque
completo do pensamento francês da época —, com exceção dos representantes
oficiais de mais alto nível do pétainismo ou do gaullismo.
Retomou facilmente seus hábitos
parisienses após deixar o Ritz- Carlton, em fevereiro de 1941, instalando-se
num apartamento com vista panorâmica no 27o andar do número 240 do
Central Park South, onde seu vizinho era Maurice Maeterlinck. Passava as noites
em longas discussões em restaurantes ou bares, fazendo truques de baralhos ou
jogando xadrez.
Retornou ao hábito de ligar para os
amigos de madrugada, a fim de ler para eles o fruto de suas noites laboriosas,
porém era inútil tocar sua campainha na parte da manhã, pois habitualmente
passava o dia dormindo após ter trabalhado a noite inteira. Seus amigos tiveram
de se prestar também a outra tarefa. Como ele se negava a falar inglês,
telefonava no último minuto em busca de intérpretes voluntários para
acompanhá-lo em suas expedições em busca de novos gadgets. Em companhia de
Bernard Lamotte, um pintor que conhecia desde a época da Belas Artes e que mais
tarde ilustrou Piloto de Guerra,
Saint-Exupéry fez a mais importante de suas aquisições.
Estavam procurando um órgão elétrico
quando o olhar de Antoine caiu por acaso num gravador que registrava gravações
em fitas. Enquanto o vendedor, perplexo, tentava compreender as palavras dos
dois franceses, Saint-Exupéry tirou 2.700 dólares do bolso e pediu a Lamotte que
providenciasse a entrega do aparelho em seu domicílio. A partir de então,
começou a ditar seus livros à noite, enquanto sua secretária os datilografava
durante o dia. A máquina permitia-lhe também revelar o lado infantil de seu
caráter. Ele a utilizava para gravar canções, diminuindo a rotação da fita para
deformar a voz e produzir um efeito cômico. Convencia os amigos a improvisarem
qualquer coisa, pelo prazer de escutar maliciosamente essas gravações junto com
outras pessoas.
Galantière afirmava que, apesar de
uma vida social ativa e de frequentes conferências sobre suas experiências de
guerra, Saint-Exupéry nunca se sentiu feliz nos Estados Unidos. “Seu espírito
estava sempre inquieto, torturado, e ele passava dias e noites discutindo os
comunicados políticos e militares, ou estudando-os com físicos e engenheiros.”
Ele estava ansioso por Consuelo e sofria problemas de saúde que atrasaram a
conclusão de Piloto de Guerra, que os
editores contavam publicar no primeiro aniversário do armistício. Em julho de
1941 o livro estava longe de ficar pronto, o que não impediu que o autor, com a
recriminação de seu tradutor, entre outros, decidisse dar uma escapada até
Hollywood para reencontrar o cineasta Jean Renoir.
Eles tinham se conhecido ao dividir
um camarote no navio que ia aos Estados Unidos, em dezembro, e Jean Renoir
promete refletir sobre uma versão filmada de Terra dos Homens. Saint-Exupéry utilizou seu gravador para
registrar as diversas cenas e uma descrição da forma em que achava que o
projeto devia ser tratado.
Sem o conhecimento de Galantière,
que esperava a luz verde para começar a tradução do livro, Saint-Exupéry
decidiu internar-se num hospital, e só em novembro de 1941 explicou a seu
tradutor as razões do atraso no avanço do manuscrito. Informou-lhe que há três
anos sofria de uma doença é explicada, cujas manifestações tinham se agravado
desde sua chegada aos Estados Unidos. Às vezes tinha acessos de febre que
atingiam mais de 41 graus. Um cirurgião de Hollywood diagnosticou sequelas de
seu primeiro acidente de aviação, ocorrido em Le Bourget em 1923. Um foco
permanente de infecção formara-se nas cicatrizes, e a convalescença, que era
pelo menos tão dolorosa quanto a operação, como se queixava ele a Galantière,
fora acompanhada de insuportáveis espasmos, de hemorragias e febre. “Por isso
queira desculpar meu atraso no livro”, acrescentava Saint-Exupéry.
Galantière estava acostumado com os
pretextos dos escritores para desculpar os atrasos, e considerou a carta com
certo ceticismo, como se pode ver numa posterior, na qual Saint-Exupéry se
queixa de que seu tradutor parecia “acreditar que eu sofro dos mal-estares
vagos de mocinhas neurastênicas”. Galantière explicou sua incredulidade no
artigo publicado no Atlantic Monthly.
Segundo ele, os editores tinham dado seis semanas para Saint-Exupéry instalar-se
em Nova York. Durante esse período, Wind, Sand and Stars recebeu o National
Book Award, durante um banquete para 1.500 pessoas. “Com tato, nós o fizemos
entender que estava na hora de voltar ao trabalho”, relata Galantière. Como o
tato não funcionou, o autor ouviu que era seu dever explicar a derrota aos
americanos, que não acreditavam que a França tinha se defendido valentemente.
A sugestão deixou Saint-Exupéry
“totalmente furioso”, diz Galantière, porém ele escapou pela tangente afirmando
que sua literatura era tratada como um produto comercial. Quando essa tempestade
cessou, a doença interveio.
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