sábado, 3 de junho de 2017

VOO NOTURNO - 7

            Robineau estava cansado . Acabara de descobrir, diante de um Pellerin vencedor, que sua própria vida era cinza. Descobrira, sobretudo, que ele, Robineau, apesar do título de inspetor e da autoridade que tinha, valia menos que aquele homem morto de cansaço, encolhido no canto do carro, com os olhos fechados e as mãos negras de óleo. Pela primeira vez sentia admiração. E tinha necessidade de admiti-la. Precisava, acima de tudo, conquistar uma amizade. Estava cansado da viagem e dos fracassos do dia; talvez se sentisse, inclusive, um pouco ridículo. Naquela tarde, confundira-se nos cálculos ao verificar os estoques de gasolina e o agente ao qual desejava surpreender, movido pela compaixão, acabou por fazê-los para ele. Pior: havia criticado a montagem de uma bomba de óleo tipo B.6, confundindo-a com uma bomba do tipo B.4, e os mecânicos, dissimulados, deixaram que ficasse por vinte minutos “em uma ignorância que ninguém perdoa”: sua própria ignorância.

             Também estava com medo do seu quarto no hotel. De Toulouse a Buenos Aires, invariavelmente, voltava para ele, depois do trabalho. Ali se trancava, com a consciência dos segredos que lhe pesavam, tirava da sua valise uma resma de papel, escrevia lentamente “relatório”, arriscava algumas linhas e rasgava tudo. Adoraria salvar a Companhia de um grande perigo. Mas ela não corria perigo algum. Até aquele momento não havia salvado nada, além da parte central de uma hélice corroída pela ferrugem. Havia passado os dedos sobre ela, lentamente, com ar fúnebre, diante de um chefe de aeroporto, que, por sua vez, respondeu-lhe: “Dirija-se à escala precedente. Este avião acaba de chegar de lá”.

            Para se aproximar de Pellerin, arriscou:

            — Gostaria de jantar comigo? Preciso conversar um pouco; meu trabalho é, por vezes, tão duro...

            Mas, em seguida, corrigiu:

            — Tenho tantas responsabilidades!

            Seus subalternos não tinham nenhuma vontade de envolvê-lo na vida privada deles. Pensavam:

            “Se ele ainda não encontrou nada para colocar no relatório, como está morto de fome, irá me devorar".

            Mas, nessa noite, Robineau não pensava em nada além de suas próprias misérias: o corpo atacado por um incômodo eczema, seu único segredo verdadeiro. Teria gostado de partilhar isso para que se compadecessem dele e, não encontrando consolo no orgulho, procurá-lo na humildade. Também tinha uma amante na França - a quem, nas noites em que regressava, relatava suas inspeções, para deslumbrá-la um pouco e se fazer amar. Mas justamente essa mulher havia embirrado com ele, e ele queria falar dela.

            — Então, aceita jantar comigo?


            Pellerin, delicadamente, aceitou. 


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