sábado, 24 de junho de 2017

A VIDA DE SAINT-EXUPÉRY - 60

            O Homem que não acreditava

            No meio do pânico geral da debandada, enquanto milhões de refugiados obstruíam itinerários estratégicos e comprometiam qualquer esperança de um contra-ataque, o 2/33 foi repentinamente transferido de Orly para Nangis, ao nordeste de Fontainebleau. Dessa base Saint-Exupéry realizou as últimas duas das sete missões de reconhecimento que lhe valeram a atribuição da cruz de guerra. Nangis estava situada a alguns quilômetros de La Feuilleraie, que Consuelo estava se preparando para abandonar, contagiada pela histeria coletiva que atacou o país com o avanço dos alemães rumo a Paris. Em 3 de junho de 1940, Saint-Exupéry foi visitá-la e descobriu Consuelo ocupada em encher seu pequeno Peugeot com roupas e joias.

            Em suas memórias, ela escreveu que Antoine pediu para a criada levar os casacos de vison para casa enquanto ele enterrava as joias no jardim. A preocupação primordial era encontrar gasolina, e ele encheu o carro de recipientes com combustível que enfiou até mesmo nas malas rapidamente esvaziadas. Consuelo esperava chegar à Riviera. Ela relatou essas aventuras, parcialmente romanceadas, num livro escrito em 1945, Oppède, nome de um povoado provençal onde tinha contribuído para a instalação de uma comunidade de artistas.

            Na verdade, não se sabe ao certo se o marido a reviu antes de abandonar a França, em 5 de novembro. Seu itinerário era tão caótico que raramente ele passava mais de alguns dias no mesmo lugar. Sua unidade permaneceu em Nangis durante uma semana e posteriormente estabeleceu seus quartéis-generais sucessivos em cinco campos de aviação diferentes, antes de se fixar na base aérea de Túnis, em 27 de agosto de 1940.

            Durante os poucos meses que separam o armistício de sua partida para Nova York, no final de 1940, Saint-Exupéry decidiu não se aliar a De Gaulle e permanecer fiel a Pétain. Tudo o que tinha observado naquelas semanas consolidou sua opinião, após a primeira vitória nazista: a França não estava bem equipada para resistir aos alemães, e devia retirar-se da guerra enquanto esperava ajuda dos Estados Unidos. O retumbante fracasso estratégico do alto comando durante a batalha da França persuadiu-o de que a Alemanha dispunha de um poder invencível, e que a resistência levaria inevitavelmente à destruição em massa das populações civis. Seu julgamento, como o de tantos outros franceses em 1940, foi falseado pela propaganda de Vichy, que afirmava que a França se engajara na guerra sem exército nem armamento adequados, devido à incúria que era atribuída ao governo socialista da Frente Popular de 1936.

            Os historiadores demonstraram posteriormente que a França, na verdade, possuía uma força militar suficiente para enfrentar a Alemanha. Não se tratava apenas, para utilizar os termos de Saint- Exupéry em Piloto de Guerra, da derrota de 40 milhões de granjeiros diante de 80 milhões de industriais. As forças aéreas francesas dispunham de mais recursos do que parecia na época, porém o comando militar decidira jogar sua aviação e as unidades blindadas na batalha com conta-gotas, e guardara excessivo material de reserva.

            Entretanto, se Saint-Exupéry acreditava tão pouco numa vontade nacional de vencer, isso não era devido unicamente à qualidade dos armamentos. Ele intuiu a desmoralização das tropas desde 10 de maio, por ocasião da Blitzkrieg, e quando o marechal Pétain foi convocado rapidamente do seu cargo de embaixador em Madri. Enquanto a maioria dos franceses via, na convocação de herói de Verdun, o sinal de uma determinação para prosseguir o combate, Saint- Exupéry estava aterrado. “Ele é um pessimista. Não fará nada de bom”, diria ele a Jean Israël. Esse sentimento aumentou quando Pétain foi nomeado presidente do conselho em 17 de junho, no lugar de Paul Reynaud, e iniciou imediatamente as conversações de paz.

            Cada dia da humilhante debandada diminuía as chances de uma virada da situação. Mas os pilotos da unidade de Saint-Exupéry ficaram esperançosos quando o 2/33 recebeu a ordem de ir a uma nova base aérea, numa colônia francesa da África do Norte, que teria podido servir de ponto de reagrupamento das forças armadas do vasto império colonial.

            Em 19 de junho, enquanto o coronel da companhia, Henry Alias, comandava a transferência de uma frota heterogênea para Argel, Saint-Exupéry, o tenente Olivier Pénicault e suas tripulações tiveram a incumbência de receber a entrega de quatro Bloch 174 no aeródromo de Bordeaux-Mérignac. Os oficiais da aeronáutica, que durante semanas tinham reivindicado desesperadamente mais aparelhos, ficaram estupefatos quando chegaram à base. O campo de aviação estava coberto de aviões de guerra, colocados asa com asa, conservados lá como reserva em vez de serem utilizados para impedir o avanço alemão.

            Saint-Exupéry aproveitou a ocasião para requisitar um velho quadrimotor Farman, capaz de transportar mais de 40 pessoas, suficientemente grande para a transferência dos pilotos e tripulações do 2/33, e até mesmo de alguns retardatários de outras unidades. O avião estava tecnicamente fora de condições de voo, mas ele obstinou-se a noite inteira, com a ajuda dos mecânicos, para torná-lo operacional. Num determinado momento, ele se encontrou face a face com Suzanne Torrès, ex-jornalista e esposa de um deputado, que usava o uniforme de oficial de ambulância militar.

            Num livro intitulado Quand J’Étais Rochambelle, ela relata esse encontro, que permite compreender por que Saint-Exupéry rejeitou a ideia de unir-se a De Gaulle e à Resistência, antes de reconhecer a inércia e o derrotismo do governo de Vichy. Suzanne Torrès, que em segundas núpcias casou-se com o general Jean Massu, amigo de De Gaulle, chegara a Bordeaux decidida a unir-se à França livre em Londres. A notícia do chamamento de De Gaulle, em 18 de junho de 1940, começava a se expandir, e um capitão encarregado de estudar uma eventual retomada de combates a partir da África do Norte acompanhava a moça. Ele não recebeu nenhum incentivo de Saint- Exupéry, que chegou a tentar dissuadi-lo de prosseguir o combate.

            Ao entusiasmo do capitão, Saint-Exupéry contrapunha argumentos técnicos, recordados por Suzanne Torrès: “Não temos aviões, nem peças sobressalentes, nem oficinas, nem gasolina... Ele fala sem paixão, suavemente. Seu rosto expressivo observa o do seu interlocutor e percebo que ele sente pena de ter de jogar baldes de água fria naquelas esperanças expressas com tanta convicção”.

            O testemunho de Saint-Exupéry não produziu qualquer efeito. O jovem capitão fez uma guerra heroica na segunda divisão blindada de Leclerc, que partiu da África negra e conseguiu levar a vitória até o coração da Alemanha. Saint-Exupéry pilotou o Farman recuperado e sobrecarregado de homens até a Argélia. Teve diversas outras oportunidades de encontrar Suzanne Torrès no hotel Aletti, de Argel, onde animadas discussões reuniam jovens oficiais determinados a encontrar uma forma de chegar à Inglaterra. De acordo com Torres, Saint-Exupéry escutava sem nada dizer. “Ele me confiou certa vez: ‘Para que jogar um balde de água fria no seu entusiasmo?’ Ele não acreditava”.

No dia 22 de junho de 1940, no contexto da Segunda Guerra Mundial, 
a França assina
 armistício
 com
Alemanha.

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