No meio do pânico geral da
debandada, enquanto milhões de refugiados obstruíam itinerários estratégicos e
comprometiam qualquer esperança de um contra-ataque, o 2/33 foi repentinamente
transferido de Orly para Nangis, ao nordeste de Fontainebleau. Dessa base
Saint-Exupéry realizou as últimas duas das sete missões de reconhecimento que
lhe valeram a atribuição da cruz de guerra. Nangis estava situada a alguns quilômetros
de La Feuilleraie, que Consuelo
estava se preparando para abandonar, contagiada pela histeria coletiva que
atacou o país com o avanço dos alemães rumo a Paris. Em 3 de junho de 1940,
Saint-Exupéry foi visitá-la e descobriu Consuelo ocupada em encher seu pequeno
Peugeot com roupas e joias.
Em suas memórias, ela escreveu que
Antoine pediu para a criada levar os casacos de vison para casa enquanto ele
enterrava as joias no jardim. A preocupação primordial era encontrar gasolina,
e ele encheu o carro de recipientes com combustível que enfiou até mesmo nas
malas rapidamente esvaziadas. Consuelo esperava chegar à Riviera. Ela relatou
essas aventuras, parcialmente romanceadas, num livro escrito em 1945, Oppède, nome de um povoado provençal
onde tinha contribuído para a instalação de uma comunidade de artistas.
Na verdade, não se sabe ao certo se
o marido a reviu antes de abandonar a França, em 5 de novembro. Seu itinerário
era tão caótico que raramente ele passava mais de alguns dias no mesmo lugar.
Sua unidade permaneceu em Nangis durante uma semana e posteriormente estabeleceu
seus quartéis-generais sucessivos em cinco campos de aviação diferentes, antes
de se fixar na base aérea de Túnis, em 27 de agosto de 1940.
Durante os poucos meses que separam
o armistício de sua partida para Nova York, no final de 1940, Saint-Exupéry
decidiu não se aliar a De Gaulle e permanecer fiel a Pétain. Tudo o que tinha
observado naquelas semanas consolidou sua opinião, após a primeira vitória
nazista: a França não estava bem equipada para resistir aos alemães, e devia
retirar-se da guerra enquanto esperava ajuda dos Estados Unidos. O retumbante
fracasso estratégico do alto comando durante a batalha da França persuadiu-o de
que a Alemanha dispunha de um poder invencível, e que a resistência levaria
inevitavelmente à destruição em massa das populações civis. Seu julgamento,
como o de tantos outros franceses em 1940, foi falseado pela propaganda de
Vichy, que afirmava que a França se engajara na guerra sem exército nem
armamento adequados, devido à incúria que era atribuída ao governo socialista
da Frente Popular de 1936.
Os historiadores demonstraram
posteriormente que a França, na verdade, possuía uma força militar suficiente
para enfrentar a Alemanha. Não se tratava apenas, para utilizar os termos de
Saint- Exupéry em Piloto de Guerra,
da derrota de 40 milhões de granjeiros diante de 80 milhões de industriais. As
forças aéreas francesas dispunham de mais recursos do que parecia na época,
porém o comando militar decidira jogar sua aviação e as unidades blindadas na
batalha com conta-gotas, e guardara excessivo material de reserva.
Entretanto, se Saint-Exupéry acreditava
tão pouco numa vontade nacional de vencer, isso não era devido unicamente à qualidade
dos armamentos. Ele intuiu a desmoralização das tropas desde 10 de maio, por
ocasião da Blitzkrieg, e quando o
marechal Pétain foi convocado rapidamente do seu cargo de embaixador em Madri.
Enquanto a maioria dos franceses via, na convocação de herói de Verdun, o sinal
de uma determinação para prosseguir o combate, Saint- Exupéry estava aterrado.
“Ele é um pessimista. Não fará nada de bom”, diria ele a Jean Israël. Esse
sentimento aumentou quando Pétain foi nomeado presidente do conselho em 17 de
junho, no lugar de Paul Reynaud, e iniciou imediatamente as conversações de
paz.
Cada dia da humilhante debandada
diminuía as chances de uma virada da situação. Mas os pilotos da unidade de
Saint-Exupéry ficaram esperançosos quando o 2/33 recebeu a ordem de ir a uma
nova base aérea, numa colônia francesa da África do Norte, que teria podido
servir de ponto de reagrupamento das forças armadas do vasto império colonial.
Em 19 de junho, enquanto o coronel
da companhia, Henry Alias, comandava a transferência de uma frota heterogênea
para Argel, Saint-Exupéry, o tenente Olivier Pénicault e suas tripulações tiveram
a incumbência de receber a entrega de quatro Bloch 174 no aeródromo de
Bordeaux-Mérignac. Os oficiais da aeronáutica, que durante semanas tinham
reivindicado desesperadamente mais aparelhos, ficaram estupefatos quando
chegaram à base. O campo de aviação estava coberto de aviões de guerra,
colocados asa com asa, conservados lá como reserva em vez de serem utilizados
para impedir o avanço alemão.
Saint-Exupéry aproveitou a ocasião
para requisitar um velho quadrimotor Farman, capaz de transportar mais de 40
pessoas, suficientemente grande para a transferência dos pilotos e tripulações
do 2/33, e até mesmo de alguns retardatários de outras unidades. O avião estava
tecnicamente fora de condições de voo, mas ele obstinou-se a noite inteira, com
a ajuda dos mecânicos, para torná-lo operacional. Num determinado momento, ele
se encontrou face a face com Suzanne Torrès, ex-jornalista e esposa de um
deputado, que usava o uniforme de oficial de ambulância militar.
Num livro intitulado Quand J’Étais Rochambelle, ela relata
esse encontro, que permite compreender por que Saint-Exupéry rejeitou a ideia
de unir-se a De Gaulle e à Resistência, antes de reconhecer a inércia e o
derrotismo do governo de Vichy. Suzanne Torrès, que em segundas núpcias
casou-se com o general Jean Massu, amigo de De Gaulle, chegara a Bordeaux decidida
a unir-se à França livre em Londres. A notícia do chamamento de De Gaulle, em
18 de junho de 1940, começava a se expandir, e um capitão encarregado de
estudar uma eventual retomada de combates a partir da África do Norte
acompanhava a moça. Ele não recebeu nenhum incentivo de Saint- Exupéry, que
chegou a tentar dissuadi-lo de prosseguir o combate.
Ao entusiasmo do capitão, Saint-Exupéry
contrapunha argumentos técnicos, recordados por Suzanne Torrès: “Não temos
aviões, nem peças sobressalentes, nem oficinas, nem gasolina... Ele fala sem
paixão, suavemente. Seu rosto expressivo observa o do seu interlocutor e
percebo que ele sente pena de ter de jogar baldes de água fria naquelas
esperanças expressas com tanta convicção”.
O testemunho de Saint-Exupéry não
produziu qualquer efeito. O jovem capitão fez uma guerra heroica na segunda divisão
blindada de Leclerc, que partiu da África negra e conseguiu levar a vitória até
o coração da Alemanha. Saint-Exupéry pilotou o Farman recuperado e
sobrecarregado de homens até a Argélia. Teve diversas outras oportunidades de
encontrar Suzanne Torrès no hotel Aletti, de Argel, onde animadas discussões
reuniam jovens oficiais determinados a encontrar uma forma de chegar à
Inglaterra. De acordo com Torres, Saint-Exupéry escutava sem nada dizer. “Ele
me confiou certa vez: ‘Para que jogar um balde de água fria no seu entusiasmo?’
Ele não acreditava”.
No dia 22 de junho de 1940, no contexto da Segunda Guerra Mundial,
a França assina
armistício
com
a
Alemanha.
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