terça-feira, 30 de maio de 2017

A incrível noite de Natal em que A Guerra parou

Trégua de Natal (em inglêsChristmas truce; em alemãoWeihnachtsfrieden) é o termo usado para descrever o armistício informal ocorrido ao longo da Frente Ocidental no Natal de 1914, durante a Primeira Guerra Mundial. Durante a semana que antecedeu o Natal, soldados alemães e britânicos trocaram saudações festivas e canções entre suas trincheiras; na ocasião, a tensão foi reduzida a ponto dos indivíduos entregarem presentes a seus inimigos. Na véspera de Natal e no Dia de Natal, muitos soldados de ambos os lados - bem como, unidades francesas ainda que em menor número - se aventuraram na "terra de ninguém", onde se encontraram, trocaram alimentos e presentes, e entoaram cantos natalinos ao longo de diversos encontros. As tropas de ambos os lados também foram amigáveis o suficiente para jogarem partidas de futebol.
Cruz deixada próximo a YpresBélgica (1999) em 
comemoração aos 85 anos da Trégua de Natal de 1914.
A trégua é vista como um momento simbólico de paz e de humanidade meio a um dos eventos mais violentos da história moderna, mas não foi universal: em algumas frentes de combate a luta continuou durante todo o dia, enquanto em outras foi feito apenas o trabalho de recolher os corpos. No ano seguinte, algumas unidades estavam dispostas ao cessar-fogo durante o Natal, mas a trégua não foi tão divulgada como em 1914, devido em parte às ordens dos altos comandos de ambos os lados que proibiram tal confraternização. Em 1916, após as sangrentas batalhas de Somme e Verdun e com o início do uso generalizado de gás venenoso, os soldados de ambos os lados cada vez menos enxergavam seus adversários como humanos, e a trégua de Natal não voltou a ser realizada.
Nos primeiros meses de guerra imóvel de trincheiras, as tréguas não eram restritas apenas ao período de Natal, e refletiam um clima crescente de "viva e deixe viver", onde unidades de infantaria em estreita proximidade de outras evitavam um comportamento abertamente agressivo, e muitas vezes se engajavam em pequenas confraternizações, promovendo conversas ou troca de cigarros. Em alguns setores havia cessar-fogos ocasionais, para que os soldados pudessem ir entre as linhas de combate para resgatar os companheiros feridos ou mortos, enquanto em outros vigorava um acordo tácito para não atirar enquanto os homens descansavam, se exercitavam, ou trabalhavam à vista do inimigo. As tréguas de Natal foram particularmente notáveis devido ao número de homens envolvidos e ao nível de participação - mesmo em setores muito pacíficos, haver dezenas de homens que se reuniam abertamente à luz do dia era notável.
Contexto
Durante os primeiros meses da Primeira Guerra Mundial, as tropas alemãs atacaram a França através do território belga. As tropas foram repelidas de Paris pelos franceses e britânicos na Batalha do Marne, no início de setembro de 1914. Os alemães se refugiaram então no vale do Aisne, onde permaneceram em posição defensiva. Na batalha posterior - a batalha do Aisne -, as forças aliadas não foram capazes de avançar através da linha alemã e a luta rapidamente chegou a um impasse: nenhum dos lados estava disposto a ceder terreno e ambos começaram a construir sistemas fortificados de trincheiras. Ao norte, à direita do exército alemão, não havia uma linha de frente definida, e ambos os lados tentaram rapidamente usar essa brecha para se flanquearem uma à outra. Durante a corrida para o mar que se seguiu, os dois lados se enfrentaram repetidamente, cada um tentando avançar à frente do outro. Depois de vários meses de luta, durante os quais as forças britânicas foram retiradas do Aisne e enviadas para o norte em Flandres, o flanco norte estava em um impasse semelhante. Em novembro, havia uma linha de frente contínua, desde o mar do norte até a fronteira suíça, a qual era ocupada em ambos os lados pelos exércitos preparados em posições defensivas.
Aproximação ao Natal
Diversas iniciativas de paz foram incitadas dias antes do Natal de 1914. A Carta Aberta de Natal foi uma mensagem pública de paz dirigida "às Mulheres da Alemanha e da Áustria", assinada por um grupo de 101 mulheres sufragistas britânicas ao final de 1914, data em que se aproximava o primeiro Natal da Primeira Guerra Mundial. O Papa Bento XV, em 7 de dezembro de 1914, aludira a uma trégua oficial entre os governos em guerra, pedindo "que as armas possam cair em silêncio, ao menos na noite em que os anjos cantam". O apelo foi recusado pelas autoridades.
Natal de 1914
Embora não houvesse nenhuma trégua oficial, cerca de 100 mil soldados britânicos e alemães estavam envolvidos em cessar-fogos não oficiais ao longo de toda a frente ocidental. A trégua começou na véspera de Natal, 24 de dezembro de 1914, quando as tropas alemãs decoraram o entorno de suas trincheiras na região de Ypres, Bélgica, havendo várias tréguas não oficiais esparsas que perduraram, por até seis dias. O historiador americano Stanley Weintraub calculou em, aproximadamente, cem mil soldados de ambos os lados, aderindo em algum momento às tréguas de natal de 1914. Mas esta trégua não oficial não atingiu a todos os soldados localizados no Front ocidental, sendo que houve vários locais em que a batalha sangrenta prosseguiu normalmente durante o dia de Natal.
Os alemães colocaram velas nas trincheiras e decoraram árvores de Natal, continuando em seguida a celebração ao cantar canções de Natal. Os britânicos responderam cantando as suas próprias canções. Houve casos em que alemães e ingleses começaram, de suas próprias trincheiras, a cantar unidos os mesmos cânticos natalinos, ainda que em suas próprias línguas e versões como escreveu o fuzileiro Graham Williams, da 1ª Brigada de Fuzileiros de Londres: “Começamos a cantar O Come, All Ye Faithful e imediatamente os alemães se uniram cantando o mesmo hino em suas palavras latinas, Adeste Fideles. Que coisa extraordinária – duas nações inimigas entoando o mesmo cântico no meio da guerra”.
Os dois lados continuaram gritando saudações de Natal um para o outro, até que começaram a surgir convites e iniciativas de ambos os lados para uma trégua e até um encontro pacífico, como, por exemplo, o descrito anos depois pelo capitão alemão Josef Sewald, do 17º Regimento Bávaro: “Gritei para os nossos inimigos que não queríamos atirar e que faríamos uma trégua de Natal. Disse que eu viria do meu lado e que poderíamos conversar entre nós. A princípio, houve silêncio, voltei a gritar e um inglês gritou, "Parem os tiros!” Aí um deles saiu das trincheiras e eu fiz o mesmo, e nos aproximamos e trocamos um aperto de mãos – um tanto cautelosos!” Pouco depois, começaram a se fazer travessias através da Terra de Ninguém, onde eram trocados alguns presentes, como tabaco, alimentos, álcool, ou recordações como botões e chapéus. A artilharia nesta região permaneceu em silêncio.
Na manhã de Natal, uma Missa bilíngue foi rezada por um padre escocês e um seminarista alemão selou o momento de ecumênica harmonia, “um espetáculo extraordinário”, deslumbrou-se o tenente Arthur Pelham Burn, do 6º Regimento dos Highlanders. “Os alemães alinhados de um lado, os britânicos de outro, os oficiais à frente, todos de cabeça descoberta.” É sabido foi realizada, ao menos, uma partida de futebol amistosa envolvendo soldados franceses, alemães e ingleses, em Saint-Yves, durante o dia de Natal. A trégua também permitiu que os soldados mortos recentemente pudessem ser trazidos de volta para suas linhas para poderem ser enterrados. Foram realizados vários funerais em conjunto. A confraternização teve alguns riscos; alguns soldados foram mortos pelas forças da oposição. Em muitos setores, a trégua durou apenas até a noite de Natal, mas em outras continuou até ao Dia de Ano Novo.
Bruce Bairnsfather, que serviu durante a guerra, escreveu:
Eu não perderia aquele único e estranho dia de Natal por nada deste mundo... encontrei um oficial alemão, um tenente penso eu, e sendo um colecionador, disse a ele que havia gostado de alguns de seus botões. Eu trouxe meu cortador de arame, retirei um par de botões e coloquei-os no bolso. Então eu lhe dei dois dos meus em troca... depois reparei num dos meus artilheiros, que era cabeleireiro amador na vida civil, a cortar o cabelo bastante longo de um boche dócil, que estava pacientemente ajoelhado no chão, enquanto a máquina de corte deslizava em volta de seu pescoço.
O general Sir Horace Smith-Dorrien, comandante do II Corpo britânico, revoltou-se ao saber o que estava acontecendo e emitiu ordens estritas proibindo a comunicação amigável com as tropas adversárias alemãs.
Adolf Hitler, um jovem cabo do 16ª Reserva bávara de Infantaria, estava entre os oponentes da trégua, tendo desabafado à respeito que: “Essas coisas não deviam acontecer em tempo de guerra. Os alemães perderam todo o senso de honra?”.
Descendentes de veteranos da guerra, em 
uniformes de época,apertando as mãos na 
inauguraçãode um memorial para a trégua
(Frelinghien, França, 2008).
Trégua franco-alemã
Richard Schirrmann - que estava em um regimento alemão posicionado sobre o Bernhardstein, uma das montanhas dos Vosges - escreveu um relato dos eventos em dezembro de 1915: "Quando os sinos de Natal soaram nas aldeias do Vosges atrás das linhas... aconteceu uma coisa nada militar. As tropas alemãs e francesas fizeram espontaneamente as pazes e cessaram as hostilidade; eles se visitaram uns aos outros através de túneis de trincheira em desuso, trocaram vinho, conhaque, cigarros, pão-preto da Vestefália, biscoitos e presunto. Eles permaneceram bons amigos mesmo depois do Natal." A disciplina militar foi imediatamente restaurada, mas Schirrmann ponderou sobre o incidente e pensou que talvez "os jovens de todos os países poderiam se reunir em lugares adequados onde pudessem ficar e conhecer uns aos outros." Schirrmann viria a fundar em 1919 a associação alemã dos Albergues da Juventude.
Monumento
Um memorial da Trégua de Natal foi inaugurado em Frelinghien, França, em 11 de novembro de 2008. Neste mesmo dia, no local onde no dia de Natal de 1914 seus antepassados ​​regimentais saíram de suas trincheiras para jogar futebol, homens do 1º Batalhão dos Royal Welch Fusiliers jogaram uma partida de futebol com o Batalhão alemão 371. Os alemães venceram por 2-1.

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