Trégua de Natal (em inglês, Christmas truce; em alemão, Weihnachtsfrieden)
é o termo usado para descrever o armistício informal
ocorrido ao longo da Frente Ocidental no Natal de 1914, durante a Primeira Guerra Mundial. Durante a semana
que antecedeu o Natal, soldados alemães e britânicos trocaram
saudações festivas e canções entre suas trincheiras;
na ocasião, a tensão foi reduzida a ponto dos indivíduos entregarem presentes a
seus inimigos. Na véspera de Natal e no Dia de Natal, muitos soldados de ambos
os lados - bem como, unidades francesas ainda
que em menor número - se aventuraram na "terra de ninguém", onde se encontraram,
trocaram alimentos e
presentes, e entoaram cantos natalinos ao longo de diversos encontros. As
tropas de ambos os lados também foram amigáveis o suficiente para jogarem
partidas de futebol.
Cruz deixada próximo a Ypres, Bélgica (1999) em comemoração aos 85 anos da Trégua de Natal de 1914. |
A trégua é vista como um momento simbólico de paz e de humanidade meio
a um dos eventos mais violentos da história moderna, mas não foi universal: em
algumas frentes de combate a luta continuou durante todo o dia, enquanto em
outras foi feito apenas o trabalho de recolher os corpos. No ano seguinte,
algumas unidades estavam dispostas ao cessar-fogo durante
o Natal, mas a trégua não foi tão divulgada como em 1914, devido em parte às
ordens dos altos comandos de ambos os lados que proibiram tal confraternização.
Em 1916, após as sangrentas batalhas de Somme e Verdun e
com o início do uso generalizado de gás venenoso, os soldados
de ambos os lados cada vez menos enxergavam seus adversários como humanos, e a
trégua de Natal não voltou a ser realizada.
Nos primeiros meses de guerra imóvel de trincheiras, as
tréguas não eram restritas apenas ao período de Natal, e refletiam um clima
crescente de "viva e deixe viver", onde unidades de infantaria em
estreita proximidade de outras evitavam um comportamento abertamente agressivo,
e muitas vezes se engajavam em pequenas confraternizações, promovendo conversas
ou troca de cigarros. Em
alguns setores havia cessar-fogos ocasionais, para que os soldados pudessem ir
entre as linhas de combate para resgatar os companheiros feridos ou mortos,
enquanto em outros vigorava um acordo tácito para não atirar enquanto os homens
descansavam, se exercitavam, ou trabalhavam à vista do inimigo. As tréguas de
Natal foram particularmente notáveis devido ao número de homens envolvidos e ao
nível de participação - mesmo em setores muito pacíficos, haver dezenas de
homens que se reuniam abertamente à luz do dia era notável.
Contexto
Durante os primeiros meses da Primeira Guerra Mundial, as
tropas alemãs atacaram a França através do território belga.
As tropas foram repelidas de Paris pelos franceses e britânicos na Batalha do Marne, no início de setembro de
1914. Os alemães se refugiaram então no vale do Aisne,
onde permaneceram em posição defensiva. Na batalha posterior - a batalha do Aisne -,
as forças aliadas não foram capazes de avançar através da linha alemã e a luta
rapidamente chegou a um impasse: nenhum dos lados estava disposto a ceder
terreno e ambos começaram a construir sistemas fortificados de trincheiras. Ao
norte, à direita do exército alemão, não havia uma linha de
frente definida, e ambos os lados tentaram rapidamente usar
essa brecha para se flanquearem uma à outra. Durante a corrida para o mar que se seguiu, os dois
lados se enfrentaram repetidamente, cada um tentando avançar à frente do outro.
Depois de vários meses de luta, durante os quais as forças britânicas foram
retiradas do Aisne e enviadas para o norte em Flandres,
o flanco norte
estava em um impasse semelhante. Em novembro, havia uma linha de frente
contínua, desde o mar do norte até a fronteira suíça,
a qual era ocupada em ambos os lados pelos exércitos preparados em posições
defensivas.
Aproximação ao Natal
Diversas iniciativas de paz foram incitadas dias antes do
Natal de 1914. A Carta Aberta de Natal foi uma mensagem
pública de paz dirigida "às Mulheres da Alemanha e da Áustria",
assinada por um grupo de 101 mulheres sufragistas britânicas ao final de 1914,
data em que se aproximava o primeiro Natal da Primeira Guerra Mundial. O Papa Bento XV,
em 7 de dezembro de 1914, aludira a uma trégua oficial entre os governos em
guerra, pedindo
"que as armas possam cair em silêncio, ao menos na noite em que os anjos
cantam". O
apelo foi recusado pelas autoridades.
Natal de 1914
Embora não houvesse nenhuma trégua oficial, cerca de 100
mil soldados britânicos e alemães estavam envolvidos em cessar-fogos não
oficiais ao longo de toda a frente ocidental. A
trégua começou na véspera de Natal, 24 de dezembro de 1914, quando as tropas
alemãs decoraram o entorno de suas trincheiras na região de Ypres, Bélgica,
havendo várias tréguas não oficiais esparsas que perduraram, por até seis dias. O
historiador americano Stanley Weintraub calculou em, aproximadamente, cem mil
soldados de ambos os lados, aderindo em algum momento às tréguas de natal de
1914. Mas
esta trégua não oficial não atingiu a todos os soldados localizados no Front
ocidental, sendo que houve vários locais em que a batalha sangrenta prosseguiu
normalmente durante o dia de Natal.
Os alemães colocaram velas nas trincheiras
e decoraram árvores de Natal, continuando em seguida a
celebração ao cantar canções de Natal. Os britânicos responderam cantando as
suas próprias canções. Houve casos em que alemães e ingleses começaram, de suas
próprias trincheiras, a cantar unidos os mesmos cânticos natalinos, ainda que
em suas próprias línguas e versões como
escreveu o fuzileiro Graham Williams, da 1ª Brigada de Fuzileiros de Londres:
“Começamos a cantar O Come, All Ye Faithful e imediatamente os
alemães se uniram cantando o mesmo hino em suas palavras latinas, Adeste
Fideles. Que coisa extraordinária – duas nações inimigas
entoando o mesmo cântico no meio da guerra”.
Os dois lados continuaram gritando saudações de Natal um
para o outro, até que começaram a surgir convites e iniciativas de ambos os
lados para uma trégua e
até um encontro pacífico, como, por exemplo, o descrito anos depois pelo
capitão alemão Josef Sewald, do 17º Regimento Bávaro: “Gritei para os nossos
inimigos que não queríamos atirar e que faríamos uma trégua de Natal. Disse que
eu viria do meu lado e que poderíamos conversar entre nós. A princípio, houve
silêncio, voltei a gritar e um inglês gritou, "Parem os tiros!” Aí um
deles saiu das trincheiras e eu fiz o mesmo, e nos aproximamos e trocamos um
aperto de mãos – um tanto cautelosos!” Pouco
depois, começaram a se fazer travessias através da Terra de Ninguém, onde eram
trocados alguns presentes, como tabaco,
alimentos, álcool, ou recordações como botões e chapéus. A
artilharia nesta região permaneceu em silêncio.
Na manhã de Natal, uma Missa bilíngue foi
rezada por um padre escocês e um seminarista alemão selou o momento de ecumênica harmonia,
“um espetáculo extraordinário”, deslumbrou-se o tenente Arthur Pelham Burn, do
6º Regimento dos Highlanders. “Os alemães alinhados de um lado, os britânicos
de outro, os oficiais à frente, todos de cabeça descoberta.” É sabido foi
realizada, ao menos, uma partida de futebol amistosa envolvendo soldados
franceses, alemães e ingleses, em Saint-Yves, durante o dia de Natal.
A trégua também permitiu que os soldados mortos recentemente pudessem ser
trazidos de volta para suas linhas para poderem ser enterrados. Foram
realizados vários funerais em conjunto. A confraternização teve alguns riscos;
alguns soldados foram mortos pelas forças da oposição. Em muitos setores, a
trégua durou apenas até a noite de Natal, mas em outras continuou até ao Dia de Ano
Novo.
“
|
Eu não perderia aquele
único e estranho dia de Natal por nada deste mundo... encontrei um oficial
alemão, um tenente penso eu, e sendo um colecionador, disse a ele que havia
gostado de alguns de seus botões. Eu trouxe meu cortador de arame, retirei um
par de botões e coloquei-os no bolso. Então eu lhe dei dois dos meus em
troca... depois reparei num dos meus artilheiros,
que era cabeleireiro amador na vida civil, a cortar o cabelo bastante longo
de um boche dócil, que estava pacientemente
ajoelhado no chão, enquanto a máquina de corte deslizava em volta de seu
pescoço.
|
”
|
O general Sir Horace Smith-Dorrien, comandante do II
Corpo britânico, revoltou-se ao saber o que estava acontecendo e emitiu ordens
estritas proibindo a comunicação amigável com as tropas adversárias alemãs.
Adolf Hitler, um jovem cabo do 16ª Reserva
bávara de Infantaria, estava entre os oponentes da trégua,
tendo desabafado à respeito que: “Essas coisas não deviam acontecer em tempo de
guerra. Os alemães perderam todo o senso de honra?”.
Descendentes de veteranos da guerra, em uniformes de época,apertando as mãos na inauguraçãode um memorial para a trégua (Frelinghien, França, 2008). |
Trégua franco-alemã
Richard Schirrmann - que estava em um regimento alemão
posicionado sobre o Bernhardstein, uma das montanhas dos Vosges -
escreveu um relato dos eventos em dezembro de 1915: "Quando os sinos de
Natal soaram nas aldeias do Vosges atrás das linhas... aconteceu uma coisa nada
militar. As tropas alemãs e francesas fizeram espontaneamente as pazes e
cessaram as hostilidade; eles se visitaram uns aos outros através de túneis de
trincheira em desuso, trocaram vinho, conhaque, cigarros, pão-preto da Vestefália,
biscoitos e presunto. Eles permaneceram bons amigos mesmo depois do
Natal." A disciplina militar foi imediatamente restaurada, mas Schirrmann
ponderou sobre o incidente e pensou que talvez "os jovens de todos os
países poderiam se reunir em lugares adequados onde pudessem ficar e conhecer
uns aos outros." Schirrmann viria a fundar em 1919 a associação alemã
dos Albergues da Juventude.
Monumento
Um memorial da Trégua de Natal foi inaugurado em Frelinghien, França, em 11
de novembro de 2008. Neste mesmo dia, no local onde no dia de Natal de 1914
seus antepassados regimentais saíram de suas trincheiras para jogar futebol,
homens do 1º Batalhão dos Royal Welch Fusiliers jogaram uma
partida de futebol com o Batalhão alemão 371. Os alemães venceram por 2-1.
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