Dentro
de cinco horas, Alicante; à noite, a África. Bernis sonha. Está em paz: “Pus
tudo em ordem.” Ontem deixava Paris pelo expresso da tarde; que estranhas
férias! Guarda delas a lembrança confusa de incompreensível agitação. Mais
tarde, sofrerá. Neste instante, porém, deixa tudo para trás, como se tudo
continuasse ainda a acontecer fora de si. No momento, parece-lhe estar nascendo
com a madrugada que surge, parece-lhe estar ajudando, ó madrugador!, a
construir esse dia. Pensa: “Sou apenas um operário; trabalho no correio da
África.” E, para o operário, o mundo começa cada dia em que ele se põe a
edificá-lo.
“Pus
tudo em ordem...” Última noite no apartamento: jornais dobrados ao redor das
pilhas de livros. Cartas queimadas, cartas selecionadas, móveis cobertos. Cada
coisa cercada, tirada de sua vida, posta no espaço. E esse tumulto do coração
que deixará de ter sentido.
Preparou-se
para o futuro como para uma viagem. Embarcou para o dia seguinte como para uma
América. Tantas coisas inacabadas ainda o prendiam a si próprio. E, de súbito,
libertava-se. Bernis quase tem medo de revelar-se tão disponível, tão mortal!
Carcassonne,
escala de socorro, afasta-se sob ele. Que mundo tão ordenado — a três mil
metros. Ordenado como o redil em sua caixinha. Casas, canis, estradas,
brinquedos dos homens. Mundo dividido, mundo quadriculado, onde cada campo tem
sua sebe, o parque, seu muro. Carcassonne, onde cada lojista repete a vida de
seus avós. Modestas alegrias limitadas. Brinquedos dos homens bem-ordenados na
vitrine. Mundo em vitrine, exposto
demais e espalhado demais, cidades em ordem no mapa desenrolado e que uma
terra, deslizando com lentidão, descortina aos seus olhos com a precisão da
maré.
Bernis
sonha que está só. Um sol reverbera no quadrante do altímetro. Um sol luminoso
e gelado. Um toque na barra de direção deixa para trás toda a paisagem. Essa
luz é mineral, o solo também parece mineral; extinguiu-se tudo o que determina
a suavidade, o perfume e a debilidade das coisas vivas. Entretanto, sob o casaco de couro, uma carne quente e
frágil, Bernis. Sob as luvas espessas, maravilhosas mãos que sabiam, Geneviève,
acariciar seu rosto com a ponta dos dedos...
Eis
a Espanha.
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