Assim, bruscamente, aquele mundo
calmo, tão unido, tão simples, que se descobre quando se emerge das nuvens,
tomava para mim um valor desconhecido. Aquela doçura transformava-se numa
armadilha. Eu imaginava a enorme armadilha branca preparada ali, sob meus pés.
Abaixo das nuvens não reinava, como se poderia crer, nem a agitação dos homens,
nem o tumulto, nem a viva trepidação das cidades, e sim um silêncio ainda mais
absoluto, uma paz ainda mais definitiva. Aquela cortina branca era para mim a
fronteira entre o real e o irreal, entre o conhecido e o desconhecido. E eu
percebia desde logo que um espetáculo só tem um sentido através de uma cultura,
de uma civilização, de um ofício. Os montanheses também conheciam os mares de
nuvens; entretanto, não percebiam a cortina fabulosa.
SAINT-EXUPÉRY E HENRY GUILLAUMET, GRANDES AMIGOS |
Quando saí do escritório, sentia um
orgulho pueril. Ia eu também ser, a partir daquela madrugada, responsável por
um grupo de passageiros, responsável pelo correio da África. Mas sentia, ao
mesmo tempo, uma grande humildade. Não me julgava bem-preparado. A Espanha era
pobre em refúgios; eu temia, na ocasião de uma pane ameaçadora, não saber onde
procurar o campo de emergência. Curvara-me, sem achar os ensinamentos que me
interessavam, sobre a aridez dos mapas. Com a alma cheia dessa mistura de
timidez e orgulho, fui passar aquela vigília de armas em casa de meu
companheiro Guillaumet. Guillaumet precedera-me no serviço. Guillaumet conhecia
os truques para desvendar os segredos de Espanha. Eu precisava ser iniciado por
Guillaumet.
Quando entrei, ele sorriu:
— Sei da novidade. Está contente?
Foi ao armário apanhar o vinho do
Porto e os copos. Voltou com seu sorriso:
— Vamos regar isso. Você vai ver,
tudo irá bem.
Espalhava a confiança como uma
lâmpada espalha luz, aquele companheiro que mais tarde haveria de bater o
recorde das travessias do correio aéreo da Cordilheira dos Andes e do Atlântico
Sul. Naquela noite, alguns anos antes, em mangas de camisa, os braços cruzados
sob a lâmpada, sorrindo o mais reconfortante dos sorrisos, ele me disse
simplesmente: “As tempestades, a bruma, a neve, por vezes essas coisas o
incomodarão. Pense então em todos os que conheceram isso antes de você e diga
assim: o que eles fizeram eu também posso fazer.” No entanto, desenrolei meus
mapas e pedi-lhe para rever um pouco, ali comigo, a rota da viagem. E debruçado
sob a lâmpada, apoiado ao ombro do veterano, reencontrei a paz do colégio.
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