domingo, 21 de maio de 2017

TERRA DOS HOMENS - 5

Quando me despertaram, eram três da madrugada. Empurrei a janela: chovia sobre a cidade. Vesti-me gravemente.
Meia hora mais tarde, sentado em minha maleta, esperava na calçada molhada que o ônibus passasse para me levar. Tantos companheiros, no dia da consagração, haviam suportado, antes de mim, aquela mesma espera, com o coração meio apertado. Surgiu afinal na esquina o ônibus antiquado, espalhando um barulho de ferragens. E, como os companheiros, teve o direito de, por minha vez, apertar-me num banco entre o funcionário da Alfândega maldesperto e alguns burocratas. Aquele ônibus cheirava a coisa fechada, a administração poeirenta, a velhos escritórios onde a vida humana enlanguesce. Parava de quinhentos em quinhentos metros para apanhar mais um secretário, mais um funcionário da Alfândega, mais um inspetor. Os que já cochilavam dentro do carro respondiam com um vago resmungo ao cumprimento do recém-chegado que se alojava ali como podia, para logo começar a cochilar também. A velha carruagem triste sacolejava sobre o calçamento desigual de Toulouse; e o piloto de linha, misturado aos funcionários, a princípio mal se distinguia deles. Mas os postes desfilavam, o campo se aproximava, e o velho ônibus trêmulo era uma crisálida cinzenta de onde sairia o homem transfigurado.
Todo companheiro, num dia assim, pela manhã, havia sentido em si mesmo, sob o subalterno vulnerável, ainda submisso à impertinência do inspetor, nascer o responsável pelo Correio da Espanha e da África, nascer aquele que, dali a três horas, enfrentaria,  entre relâmpagos, o dragão do Hospitalet... que, dali a quatro horas, tendo-o vencido, decidiria com toda a liberdade, e plenos poderes, a volta pelo mar ou o assalto direto aos maciços de Alcoy... que lidaria com a tempestade, a montanha, o oceano.
Todo companheiro, num dia assim, confundido no grupo anônimo, sob o escuro céu de inverno de Toulouse, sentira crescer dentro de si o soberano que, dali a cinco horas, deixando para trás as chuvas e as neves do Norte, repudiando o inverno, reduziria a marcha do motor e começaria a descer em pleno verão, sob o sol ardente de Alicante.

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