terça-feira, 16 de maio de 2017

VOO NOTURNO - PARTE 4

Assim, os três aviões postais da Patagônia, do Chile e do Paraguai voltavam do Sul, do Oeste e do Norte em direção a Buenos Aires. Lá, a carga que transportavam era aguardada, para que a partida do avião para a Europa fosse autorizada, por volta da meia-noite.
Três pilotos, perdidos na noite, cada um portando um pesado casaco, pensavam sobre seu voo e desciam lentamente do seu céu de tempestades ou de paz, em direção à cidade imensa, da mesma forma que estranhos camponeses descem das suas montanhas.
Rivière, responsável por toda a rede, andava de um lado para o outro, sobre o campo de aterrissagem de Buenos Aires. Permanecia em silêncio, porque para ele, até a chegada dos três aviões, o dia continuava angustiante. Minuto a minuto, à medida que os telegramas chegavam, Rivière tinha consciência de arrancar uma parte do destino, de reduzir, diminuir a parcela desconhecida e arrastar suas tripulações, fora da noite, até a margem.
Um operário o abordou para comunicar uma mensagem do posto de rádio.
— O correio do Chile informa que já vê as luzes de Buenos Aires.
— Está certo.
Em breve, Rivière receberia outras notícias. A noite já lhe entregara um, como uma mãe, cheia de fluxos, refluxos e mistérios; deixara na praia o tesouro que, por longo tempo, andara embalando. Mais tarde, receberia dela os outros dois.
Então, aquele dia teria terminado. A tripulação cansada, substituída por outra, iria dormir. Mas Rivière não teria repouso: o correio da Europa, por sua vez, iria enchê-lo de inquietações. Seria sempre assim. Sempre. Pela primeira vez, esse velho lutador se espantava por se sentir cansado. A chegada dos aviões não seria nunca a vitória que finda uma guerra e inaugura uma venturosa era de paz. Nunca haveria, para ele, mais que um passo, atrás de mil outros iguais. Pareceu a Rivière que havia muito tempo carregava um peso enorme, com os braços estendidos: um esforço sem descanso e sem esperança. “Estou ficando velho...” Ele envelhecia ainda mais quando não encontrava seu alimento unicamente na ação. Admirou-se por refletir sobre problemas que nunca tinha considerado. Em contrapartida, chegava-lhe, com um murmúrio melancólico, a soma dos prazeres que sempre afastara de si: um oceano perdido. “Tudo isso então está tão próximo!” Percebeu que, pouco a pouco, havia empurrado para a velhice, para “quando ele tivesse tempo”, o que torna suave a vida dos homens. Como se realmente fosse possível termos tempo um dia, como se se ganhasse, na outra extremidade da vida, esta bendita paz que imaginamos. Mas a paz não existe. Talvez sequer exista a vitória. Não existe a chegada definitiva de todos os correios.
Rivière deteve-se diante de Leroux, um velho contramestre com quem trabalhava. Ele também já se dedicava ao seu ofício havia quarenta anos. E o trabalho lhe consumia todas as forças. Quando Leroux voltava para casa, por volta das 22 horas ou meia-noite, não era um mundo diferente o que se oferecia a ele, não era uma evasão. Rivière sorriu para aquele homem que mostrava o rosto endurecido e lhe indicava um eixo azulado: “Estava muito apertado, mas consegui soltar”. Rivière se inclinou sobre o eixo, completamente tomado pelo trabalho. “Será preciso dizer, nas oficinas, que deixem essas peças mais frouxas.” Tocou com os dedos os sinais do atrito deixado pelos metais do eixo e então observou novamente Leroux.
Uma pergunta engraçada, diante daquelas rugas severas, veio-lhe aos lábios. Ela o fez sorrir:
—Você dedicou muito tempo ao amor ao longo da vida?
— Oh! O amor, o senhor sabe, senhor diretor...
 — Você é como eu: nunca teve tempo.
— Não muito...
Rivière ouviu a tonalidade da voz, para perceber se a resposta era amarga: não era. Aquele homem experimentava, diante de sua vida passada, o tranquilo contentamento do marceneiro que acaba de polir uma bela tábua: “Ei-la, está feita”.
“Ei-la”, pensou Rivière, “minha vida está feita”.
Afastou todos os pensamentos tristes provenientes do cansaço e caminhou em direção ao hangar, pois o avião do Chile já roncava.

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