Correndo pelo espaço,
a Lua surgiria entre o Sol e a Terra. Projetaria uma sombra imensa sobre o
planeta. E seguiria seu caminho. Parecia apenas outro eclipse. Exceto para
quatro ingleses: fazia horas que eles olhavam para o céu, apreensivos.
Divididos em dois grupos, o primeiro numa ilha da costa da África e o segundo
numa cidade do nordeste do Brasil, torciam para que o brilho da constelação de
Touro, ajudado pela escuridão, superasse as nuvens e chegasse às câmeras. O
experimento não poderia dar errado. Dependia dele a comprovação de um dos
maiores feitos da mente humana. Uma teoria que unificava tempo e espaço,
energia e matéria, velocidade e gravidade, que reformulava um arcabouço de leis
incompletas para desenhar um novo Universo, mais elegante e racional. Depois de
29 de maio de 1919, os africanos não desconfiavam, os brasileiros também não,
mas o mundo nunca mais giraria como antes.
Essa história começa
muito antes de 1919, quando as estrelas e as pessoas ainda obedeciam àquelas
regras que aprendemos na escola. Em 1666 e pelos dois séculos seguintes, o
espaço era absoluto e infinito em todas as direções, o tempo corria igual em
todos os lugares e, como outros milhões de planetas e satélites do Universo, a
Terra segurava a Lua próxima pela magia da força da gravidade. Vivíamos num
mundo de regras claras, formuladas pela genialidade do inglês Isaac Newton e
escritas como que em pedra no Principia Mathematica, um dos livros mais
fundamentais da ciência. “Não existe nada de novo para ser descoberto na física
atualmente”, disse o físico inglês William Thomson, “resta apenas a medição
cada vez mais precisa”. Estava tudo calmo e os cientistas estavam confortáveis
nas suas poltronas.
Avancemos até a virada
do século 19 para o 20, quando movimentos na música, na pintura e na literatura
criam um clima de renovação na Europa. Mesmo observando uma revolução por metro
quadrado, ainda faltava a ciência: um museu velho, com séculos de idade. O
primeiro abalo nessa estrutura nasceu de um conflito entre as regras de Newton
e as equações do escocês James Maxwell. A briga girava em torno da luz. Segundo
Newton, sua velocidade pode ser somada à rapidez daquilo que a emite. Por
exemplo, imagine um carro que viaja a 300 milhões de km/h. Ele está com os
faróis acesos – por isso, a luz viaja com a própria velocidade, cerca de 1
bilhão de km/h, somada à velocidade do carro. Ou seja, a 1,3 bilhão de km/h. Para
Maxwell, isso é besteira, pois ele descobriu que a velocidade da luz é
constante e, por isso, não pode ser somada a nada. Ela continua com cerca de 1
bilhão de km/h independente do emissor. Eram duas teorias que não funcionavam
bem juntas. E os físicos não sabiam em quem acreditar.
Se a física construída
por Newton era um museu antigo e imponente, as descobertas de Maxwell
representavam uma construção moderna, uma grande pirâmide de ferro e vidro. Os
físicos não sabiam se desviavam o olhar da pirâmide ou se aceitavam as
incongruências geradas pela união dos dois prédios, tentando encontrar alguma
beleza naquilo. No começo do século 20, a ciência precisava de alguém corajoso
o suficiente para esquecer o museu e olhar apenas para o monumento. Alguém que
ignorasse as regras de Newton e focasse apenas na velocidade da luz. E essa
pessoa era um funcionário da cidade de Berna, a capital da Suíça. Um alemão
formado pela Universidade de Zurique. Um jovem de 26 anos que costumava ficar
escondido atrás de pilhas de papel numa mesa do Escritório de Patentes. Ele,
ninguém menos que Albert Einstein, não apenas ignorou o museu, como demoliu a
velharia toda.
A conclusão de
Einstein pode ser resumida numa linha de raciocínio simples. A velocidade é
medida pela relação entre tempo e espaço. Segundo Newton, esse primeiro item é
variável, enquanto os dois últimos são fixos. Se, seguindo Maxwell, essas
características são invertidas, se a velocidade passa a ser fixa (como no caso
da luz), logo, o tempo e o espaço precisam variar. O que isso significa? Se
você está viajando muito, muito rápido, o tempo vai passar diferente (um pouco
mais devagar) e o espaço também vai agir de forma estranha (as coisas vão
encolher). Lembra do tempo constante e do espaço absoluto de Newton? Segundo
Einstein, eles não existem. O que existe é um mundo em que uma coisa é
constante – a velocidade da luz – e todo o resto é variável. Quando precisou
escolher entre Newton e Maxwell, Einstein preferiu acreditar no segundo – e
tornar maleáveis as regras do primeiro.
Mas o que tudo isso
tem a ver com Sobral? Por enquanto, com as ideias que seriam conhecidas como
Teoria da Relatividade Especial, pouco. Em 1905, quando publicou o artigo que
explica a constância da luz e sua consequência, a variância do tempo e do
espaço, Einstein havia demolido apenas alguns departamentos do museu. Agora, o
problema eram os restos de construção que contrastavam com a pirâmide de vidro
e metal. Entre os escombros, havia um salão que guardava a criação mais
preciosa de Newton, uma estátua tão grande quanto o Universo – a força da
gravidade.
Einstein explica tudo
A Teoria da
Relatividade Especial define apenas parte do Universo. A metade em que as
coisas estão andando numa velocidade fixa. Mas ainda existe um segundo pedaço,
onde os objetos ganham e perdem velocidade. Em 1905, eles continuavam
respeitando a lição mais famosa de Newton, a Lei da Gravitação Universal.
Einstein havia feito metade do trabalho e a demolição ainda não estava
completa. O pior: muitos físicos da época, que ainda não davam atenção para a
primeira parte da Teoria da Relatividade, gostavam das leis antigas. Mas,
lembremos: estamos no começo do século 20, as ideias de Newton não estão mais
escritas em pedra.
A destruição termina
quando Einstein entende que as duas metades podem ser explicadas pela mesma
regra. Ele para de ver a gravidade como uma força, pois aquela atração
instantânea entre corpos precisaria ser mais rápida do que a velocidade da luz
e, lembrando Maxwell, sabia que isso não era possível. Como explicar, então, a
atração entre os corpos? O alemão descobriu que a gravidade, na verdade, era
resultado da interação entre a massa dos corpos e uma espécie de malha criada
pelo tempo e pelo espaço, que ele chamou de tecido espaço-tempo. Segundo Einstein,
estruturas muito grandes “afundam” o espaço e criam valas que seguram os
objetos próximos. Por isso, o fato de a Terra girar ao redor do Sol não é
resultado de uma atração quase mágica, mas da natureza da geometria do
Universo, que encurva na presença da estrela.
A Teoria da
Relatividade Geral trazia uma forma de testar sua efetividade. Era um
experimento simples. Como a malha do espaço-tempo era curva, um raio de luz que
passasse perto de uma grande estrela, necessariamente, seria entortado – coisa que
Newton achava impossível. Para verificar esse fenômeno, era preciso fotografar
o céu durante um eclipse, quando é possível observar as estrelas próximas do
Sol. Depois, comparar essa fotografia com outra, daquele mesmo grupo de
estrelas, numa noite normal, quando o Sol já havia girado para outra posição. A
previsão: como o raio de luz era entortado pela massa do Sol, sem ele, chegaria
na Terra numa posição levemente diferente. Por exemplo, uma estrela que,
segundo as leis de Newton, deveria estar escondida atrás do Sol, apareceria
magicamente ao lado dele. Essa sugestão renderia algumas aventuras e muitos
fracassos. E acabaria aqui, no Brasil, numa cidadezinha do Nordeste
humildemente responsável pela prova da teoria mais revolucionária da ciência.
A grande prova
A ideia de testar a
Teoria da Relatividade Geral empolgou um astrônomo do observatório da
Universidade de Berlim, que resolveu aceitar o desafio. Erwin Freundlich partiu
para a península da Crimeia, na Rússia, onde observaria um eclipse de apenas
dois minutos, o suficiente para comprovar a teoria e mudar a história da
física. Não fosse a guerra. Era 1914, a Europa observava o começo da Primeira
Guerra Mundial e, para azar de Freundlich, 20 dias antes do eclipse, a Alemanha
declarou guerra à Rússia. Ele foi preso e, desconfiados dos equipamentos que
carregava, os russos não deixaram que fizesse o experimento.
A outra tentativa,
ironicamente, veio de outro país que vivia em guerra com os alemães, a
Inglaterra. Arthur Eddington, diretor do Observatório de Cambridge e grande
entusiasta da Teoria da Relatividade, conseguiu organizar uma expedição para
observar um eclipse que aconteceria em maio de 1919. Mas ele seria visível
apenas num pequeno pedaço da Terra: entre o nordeste do Brasil, um pedaço do
Atlântico e uma parte da África. Pensando nisso, Eddington decidiu dividir a
expedição em dois grupos. Ele próprio e seu assistente, Edwin Cottingham, iriam
para a Ilha do Príncipe, na costa da África. Enquanto para o Brasil viriam
Andrew Crommelin e Charles Davidson, que usariam Sobral, no interior do Ceará,
como base das observações.
Em Príncipe, choveu
durante toda a manhã. E somente perto da hora do eclipse as nuvens sumiram e o
tempo ajudou. Apesar disso, as fotos das estrelas ainda ficaram ruins: em
alguns momentos, elas apareciam de forma mais clara, em outros, sumiam no céu
encoberto. Eddington registraria em seu diário: “Não vi o eclipse, tão ocupado
estava trocando as chapas, exceto por uma olhadela para me certificar de que
ele começara e outra no meio para ver quanto havia de nuvens”. Ao final do
fenômeno, o astrônomo mandou um telegrama ao grupo no Brasil: “Apesar das
nuvens, esperançoso”.
Enquanto isso, a
equipe de Sobral, que havia montado os equipamentos na pista de corrida de
cavalos da cidade, não poderia estar mais tensa. O dia havia amanhecido nublado
e eles estavam ansiosos para descobrir o estado do tempo na hora do eclipse.
Quando chegou o momento, o céu ficou menos encoberto e foi possível ver a Lua
passando na frente do Sol por um buraco entre as nuvens. A mensagem enviada por
eles aos astrônomos na África era mais otimista: “Esplêndido eclipse”. “Os
ingleses ainda ficaram no Brasil por dois meses, pois precisavam tirar novas
fotografias daquele mesmo grupo de estrelas, sem a influência do Sol”, explica
Emerson Almeida, diretor do Museu do Eclipse, localizado em Sobral e dedicado a
lembrar da passagem da delegação pela cidade.
A comprovação viria
alguns meses depois. As imagens de Sobral e Príncipe seriam comparadas. Era a
diferença entre as fotografias que confirmaria – ou destruiria – a Teoria da
Relatividade Geral. Eram três possibilidades: que não houvesse desvio, que
fosse de 0,85 segundo de arco (e Newton estaria certo) ou que fosse de 1,7
segundo de arco (consagrando o acerto de Einstein). Neste caso, o alemão
terminaria a demolição. E teria construído no lugar um novo museu, moderno e
capaz de abarcar o Universo inteiro.
Essa história termina
de forma dramática. Uma reunião dos cientistas e astrônomos mais respeitados da
época, em Londres, apresentaria os resultados das expedições. Como um fantasma,
um quadro de Isaac Newton assombrava o lugar. Apesar da presença do criador das
ideias que estavam sendo demolidas, foi anunciado que os resultados de Príncipe
ficaram em 1,6 segundo de arco, enquanto as chapas de Sobral mostravam 1,9
segundo de arco. Estava feito: consideradas as margens de erro, que reduziam e
aumentavam os valores até a previsão da Teoria da Relatividade Geral, Einstein
estava certo. E o eclipse era a comprovação. Matéria e energia tornavam curva a
malha do tempo e do espaço, e ela entortava o brilho das estrelas. Estava tudo
ligado. O mundo nunca mais giraria como antes.
O burrinho mais veloz do sertão
E como ele consegue
viajar pelo Ceará e pelo tempo com a Relatividade Especial
1. DUELO DE ARMAS
Para entender a Teoria
da Relatividade Especial, imagine uma competição de tiros. Mas ela acontece em
Sobral, onde as regras do nosso Universo não funcionam. Aqui, as balas correm
como a luz. Esperto, um dos sobralenses monta num burrinho para que a
velocidade do animal seja somada à velocidade da luz. A bala dele chegaria à
frente.
2. TIROS IGUAIS
Mas nenhuma velocidade
pode ser somada à da bala, nem a rapidez do burrinho, porque ela corre na
velocidade da luz. No fim, as duas balas chegam juntas.
3. RÁPIDO COMO A LUZ
Agora, outra
implicação da teoria. Imagine que o burrinho, como todos os bichos de Sobral,
consegue chegar próximo à velocidade da luz. E, para se mostrar, o sobralense
dá uma volta na cidade correndo muito, muito rápido, quase como um feixe de
luz.
4. BRAL DO FUTURO
O que acontece? Quando
o burrinho está a cerca de 1 bilhão de km/h, é como se 100 anos passassem em
apenas 30 segundos. Ele viaja pelo tempo. Para o futuro. E ao parar, ele
encontra a Sobral do século 22. Esse é o grande efeito prático da maleabilidade
do tempo, a maior sacada da Relatividade Especial.
Os intrépidos
entortadores do espaço
Ou como a Relatividade
Geral e todo o Universo cabem numa rede de pesca
1. NA REDE DO
ESPAÇO
Todos os dias, os
pescadores da costa do Ceará exemplificam a Teoria da Relatividade Geral.
Normalmente, os peixes jogados por eles andam em linha reta por uma rede, que
lembra muito a trama do espaço-tempo.
2. GRANDE COMO O L
Mas, eventualmente,
eles jogam um peixe gigante no meio dessa rede. Por ter muita massa, ele
entorta a malha.
3. A FÍSICA DE BRAL
Por ter mais massa do
que os peixinhos, ele atrai tudo o que passa ao redor. É a mesma coisa que
acontece quando o Sol entorta o espaço e atrai os planetas, só que na escala
sobralense da física.
PARA SABER MAIS
Einstein: Sua Vida,
Seu Universo
Walter Isaacson,
Companhia das Letras, 2007
ABC da Relatividade
Bertrand Russell,
Zahar, 2005
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