sexta-feira, 12 de maio de 2017

PILOTO DE GUERRA - PARTE 3

Entramos na sala do comandante Alias. (Ele comanda ainda hoje, na Tunísia, o mesmo Grupo 2/ 33.)
— Bom dia, Saint-Ex. Bom dia, Dutertre. Sentem-se.
Nós nos sentamos. O Comandante abre um mapa sobre sua mesa e volta-se ao guarda:
— Vá buscar a previsão meteorológica.
Depois, ele fica batendo na mesa com seu lápis. Eu o observo. Seus traços estão tensos. Não dormiu. Ele fez a patrulha de carro, em busca de um Estado-Maior fantasma, o Estado-Maior da divisão, o Estado-Maior da subdivisão… Tentou lutar contra os postos de abastecimento que não mandavam as peças de reposição. Acabou preso na estrada em engarrafamentos inextricáveis. Também presidiu à última mudança, à última acomodação, pois mudamos de terreno como miseráveis perseguidos por um guardião inexorável. Alias conseguiu salvar, a cada vez, os aviões, os caminhões e dez toneladas de material. Mas nós vemos que ele está no limite de suas forças e de seus nervos.
— Bem, é isso…
Ele continua batendo na mesa e não olha para nós.
— É muito chato…
Depois, dá de ombros.
— É uma missão chata. Mas eles fazem questão, no Estado-Maior. Discuti, mas fazem questão… É assim.
Dutertre e eu olhamos, através da janela, um céu calmo. Ouço cacarejarem as galinhas, pois a sala do comandante fica ao lado de uma fazenda, como a sala de informações fica numa escola. Não oporei o verão, as frutas amadurecendo, os pintinhos ganhando peso, os trigais se erguendo, à morte tão próxima. Não vejo em que a calma do verão contradiga a morte, nem em que a ternura das coisas seja irônica. Mas uma ideia vaga me ocorre: “É um verão que se estraga. Um verão em pane…”. Vi colheitadeiras abandonadas. Vi ceifadores abandonados. Nos buracos das estradas, carros quebrados abandonados. Vilas abandonadas. Uma fonte de uma vila vazia deixava correr sua água. A água pura se transformava em lodo, a mesma que custara tanto trabalho aos homens. De repente, uma imagem absurda me ocorre. A de relógios quebrados. De todos os relógios quebrados. Relógios das igrejas da vila. Relógios das estações de trem. Pêndulos de lareiras das casas vazias. E, nessa placa de relojoeiro fugido, esse ossuário de pêndulos mortos. A guerra… Não se montam mais os pêndulos. Já não se colhem beterrabas. Não se consertam mais os vagões. E a água, que era captada para a sede, ou para alvejar as belas rendas de domingo das camponesas, espalha-se em lama na frente da igreja. E morre-se no verão…
É como se eu tivesse uma doença. Esse médico acaba de me dizer: “É muito chato”. Seria então preciso pensar no tabelião, nos que ficariam. De fato, nós compreendemos, Dutertre e eu, que se trata de uma missão sacrificada:
— Em vista das atuais circunstâncias — conclui o comandante — não podemos considerar demais os riscos…
           Lógico. “Demais”, não. E ninguém está errado. Nem nós, de nos sentirmos melancólicos. Nem o comandante, de estar constrangido. Nem o Estado-Maior, de dar as ordens. O comandante reclama porque são ordens absurdas. Nós o sabemos, bem como o próprio Estado-Maior. Mas dá ordens porque é preciso dar ordens. Durante uma guerra, um Estado-Maior dá ordens. Ele as confia a belos cavaleiros ou, mais modernos, a motociclistas. Onde reinavam a bagunça e o desespero, cada um desses belos cavaleiros desce de um cavalo fumegante. Ele mostra o Porvir, como a estrela dos Reis Magos. Ele traz a Verdade. E as ordens reconstroem o mundo.
Este é o esquema da guerra. A imaginária na cor da guerra. E cada um se empenha o mais que pode para fazer com que a guerra pareça guerra. Piamente. Cada um se esforça para aplicar bem as regras. Talvez, então, essa guerra trate de parecer-se com uma guerra.
E a fim de fazer com que ela pareça uma guerra é que nós, tripulantes, nos sacrificamos, sem objetivos precisos. Ninguém admite que essa guerra não se parece com nada, que nada faz sentido, que nenhum esquema se adapta e puxam-se gravemente fios que não mais se comunicam com as marionetes. Os Estados-Maiores expedem com convicção ordens que não levarão a lugar algum. Exigem de nós informações que é impossível colher. A aviação não pode assumir a responsabilidade de explicar a guerra aos Estados-Maiores. A aviação, por suas observações, pode controlar hipóteses. Mas não há mais hipóteses. E solicita-se, de fato, a uns cinquenta tripulantes, que modelem um rosto para uma guerra que não o tem. Dirigem-se a nós como a uma tribo de cartomantes. Olho Dutertre, meu observador-cartomante. Ele retrucava, ontem, a um coronel da divisão: “E como eu vou fazer a dez metros do solo, e a quinhentos e trinta quilômetros por hora, para referenciar as posições? Olha, o senhor verá de onde atiram contra o senhor! Se atirarem no senhor, é porque as posições são alemãs”.
— Ri muito — concluía Dutertre, depois da discussão.
Pois os soldados franceses nunca viram aviões franceses. Há uns mil destes, disseminados de Dunquerque à Alsácia. Mais certo dizer que estão diluídos no infinito. Assim, quando, no front, um aparelho passa como uma rajada, com certeza é alemão. É tratar de esforçar-se em abatê-lo antes que solte suas bombas. Só o seu ronco já desencadeia as metralhadoras e os canhões de tiro rápido.
— Com esse método, acrescentava Dutertre — vão ser muito preciosas as informações deles…
E vamos levá-las em conta porque, num esquema de guerra, deve-se levar informações em conta.
Sim, mas a guerra também está degringolada.
Felizmente — bem sabemos que não vão dar a menor importância às nossas informações. Não conseguiremos transmiti-las. As estradas estarão congestionadas. Os telefones, quebrados. O Estado-Maior terá sido transferido com urgência. As informações importantes sobre a posição do inimigo será o próprio inimigo quem fornecerá. Nós conversávamos, há alguns dias, perto de Laon, sobre a eventual posição das linhas. Enviamos um tenente para fazer contato com o general. No meio do caminho, entre nossa base e a do general, o carro do tenente bateu num rolo compressor atravessado na estrada, atrás do qual estavam dois carros blindados. O tenente deu meia-volta. Mas uma rajada de metralhadora o matou na hora e feriu o chofer. Os blindados são alemães.

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