Aquele
velho ônibus desapareceu, mas sua austeridade, seu desconforto ainda vivem em
minha lembrança. Simbolizava bem a preparação necessária às duras alegrias de
nosso ofício. Tudo nele era de uma sobriedade impressionante. Lembro-me de ter
recebido dentro dele, três anos mais tarde, sem que dez palavras fossem
pronunciadas, a notícia da morte do piloto Lécrivain, um dos cem companheiros
da linha que, num dia ou numa noite de nevoeiro, partiram para a eternidade.
Eram três da madrugada, reinava o mesmo silêncio, quando ouvimos o diretor,
invisível na penumbra, dizer ao inspetor: — Lécrivain não desceu, esta noite,
em Casablanca. — Ah! — respondeu o inspetor. — Hem?
E, arrancado do sono, fez um esforço para despertar, para
mostrar sua atenção, e acrescentou: — É? Não conseguiu passar? Voltou? Do fundo
do ônibus, o outro respondeu simplesmente: “Não.” Esperamos o resto; não veio
mais nenhuma palavra. E à medida que os segundos passavam, tornava-se mais
evidente que aquele “não” não seria seguido de nenhuma outra palavra, que
aquele “não” era sem esperança, que Lécrivain não somente não havia aterrissado
em Casablanca, como também não aterrissaria nunca mais em parte alguma. Assim,
naquela manhã, na alvorada de meu primeiro voo, eu me submetia, por minha vez,
aos ritos sagrados do ofício. Experimentava um sentimento de insegurança
olhando, através das vidraças do ônibus, o macadame molhado onde se refletiam
os focos de iluminação. O vento franzia as poças de água. E eu pensava:
“Francamente, para meu primeiro voo... tenho pouca sorte...” Ergui os olhos
para o inspetor: — Mau tempo, hem? Ele lançou pela vidraça um olhar experiente:
— Isso não quer dizer nada — resmungou afinal. E eu me perguntava por que sinal
se reconheceria o mau tempo. Guillaumet, com um simples sorriso, havia apagado,
na noite anterior, todos os presságios fúnebres com que os veteranos nos
acabrunhavam, mas agora eles me voltavam à memória: “Quem não conhece a linha,
pedra por pedra, se encontra uma tempestade de neve, coitado... Ah, coitado...”
Eles bem precisavam manter seu prestígio, e balançavam a cabeça afastando os
olhos de nós com uma piedade um pouco embaraçante, como se lastimassem nossa
pobre inocência.
Na verdade, para quantos de nós até então aquele ônibus
não havia sido o último refúgio? Sessenta, oitenta? Conduzidos pelo mesmo
chofer taciturno, na madrugada de chuva... Eu olhava em torno: pontos luminosos
brilhavam na sombra — cigarros pontilhando meditações. Humildes meditações de
empregados envelhecidos. Para quantos de nós aqueles companheiros não haviam
servido de último cortejo? Eu surpreendia também as confidências que se
trocavam em voz baixa. Eram sobre as doenças, o dinheiro, os tristes cuidados
domésticos. Elas mostravam os muros da encardida prisão em que aqueles homens
estavam encerrados. E, bruscamente, me apareceu o rosto do destino. Velho
burocrata, meu companheiro aqui presente, ninguém nunca fez com que te
evadisses, e não és responsável por isso. Construíste tua paz tapando com
cimento, como fazem as térmitas, todas as saídas para a luz. Ficaste enroscado
em tua segurança burguesa, em tuas rotinas, nos ritos sufocantes de tua vida
provinciana; ergueste essa humilde proteção contra os ventos, e as marés, e as
estrelas. Não queres te inquietar com os grandes problemas e fizeste um grande
esforço para esquecer a tua condição de homem. Não és o habitante de um planeta
errante e não lanças perguntas sem solução: és um pequeno-burguês de Toulouse.
Ninguém te sacudiu pelos ombros quando ainda era tempo. Agora a argila de que
és feito já secou, e endureceu, e nada mais poderá despertar em ti o músico
adormecido, ou o poeta, ou o astrônomo que talvez te habitassem. Não me queixo
mais das lufadas de chuva. A magia do ofício abre para mim um mundo em que
enfrentarei, dentro de duas horas, dragões negros e cumes coroados por uma
cabeleira de relâmpagos azuis. Nesse mundo, quando vier a noite, livre, lerei
meu caminho nos astros.
Assim era nosso batismo profissional, e começávamos a
viajar. Essas viagens, no mais das vezes, eram sem história. Descíamos em paz,
como mergulhadores profissionais, nas profundidades de nosso domínio. Hoje ele
está bem-explorado. O piloto, o mecânico e o radiotelegrafista não tentam mais
uma aventura: encerram-se num laboratório. Obedecem ao jogo das agulhas, não
mais ao desfile das paisagens. Lá fora as montanhas estão mergulhadas nas
trevas, mas não são mais montanhas. São potências invisíveis das quais é
preciso calcular a aproximação. O radiotelegrafista toma nota de cifras sob a
lâmpada, sossegadamente; o mecânico aponta o mapa e o piloto corrige a rota se
as montanhas se afastaram do rumo, se os cumes que ele queria passar pelo lado
esquerdo se erguem em sua frente no silêncio e no segredo dos preparativos
militares. Quanto aos radiotelegrafistas de vigilância em terra, anotam
prudentemente, em seus cadernos, no mesmo segundo, as informações ditadas pelo
companheiro que está em voo: “Meia-noite e quarenta, rota 230. Tudo bem a
bordo.” Assim viaja hoje a tripulação. Não sente que está em movimento. Está
longe de todos os sinais, como à noite no mar. Mas os motores enchem a
iluminada cabina de um frêmito que muda a sua substância. As horas passam.
Processa-se toda uma alquimia invisível nos quadrantes, nas lâmpadas de rádio,
nas agulhas. Segundo a segundo, os gestos secretos, a atenção, as palavras
abafadas preparam o milagre. E quando chega a hora, o piloto pode colar a testa
à vidraça com segurança. Nasceu o ouro do Nada: ele brilha nas luzes da escala.
Entretanto, nós todos conhecemos viagens em que de repente, sob um ponto de
vista todo particular, a duas horas da escala, sentimos nosso próprio afastamento
como não o sentiríamos na Índia — e perdemos toda a esperança de voltar.
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