quinta-feira, 4 de maio de 2017

VOO NOTURNO - PARTE 2

— San Julien à vista; aterrissaremos em dez minutos.
            O rádio passava a novidade a todos os postos da linha.
            Em um percurso de dois mil e quinhentos quilômetros, do estreito de Magalhães a Buenos Aires, escalas semelhantes se sucediam; mas essa se abria sobre as fronteiras da noite, como na África, sobre o mistério, a última aldeia conquistada se revela.
            O rádio passa um informe ao piloto:
            — São tantas as tempestades que meus receptores estão cheios de descargas. Vocês dormem em San Julien?
            Fabien sorri: o céu estava calmo como um aquário e todas as escalas, diante deles, assinalavam: céu claro, vento nulo.
            Ele respondeu:
            — Continuaremos.
            Mas o telegrafista pensava que as tempestades se instalavam em qualquer lugar, assim como os vermes se instalam em uma fruta; a noite seria bela e ainda assim perdida: repugnava-lhe entrar naquela escuridão prestes a apodrecer.
            Ao deixar o motor diminuir a velocidade para descer em San Julien, Fabien se sentiu cansado: tudo o que torna suave a vida dos homens crescia ao seu encontro: suas casas, seus pequenos cafés, as árvores de suas avenidas. Ele assemelhava-se a um conquistador, no anoitecer de suas conquistas, que se inclina sobre as terras do império e descobre a felicidade simples dos homens. Fabien tinha necessidade de depor as armas, de sentir seu próprio peso e sua fadiga - também se é rico das próprias misérias - e de ser aqui um homem simples que observa pela janela uma paisagem imutável de agora em diante. Teria aceitado aquela aldeia minúscula. Uma vez feita a escolha, contentamo-nos com o acaso que dirige nossa existência e podemos amá-lo. Ele nos cerca como o amor. Desejara viver ali por muito tempo, usufruindo naquele povoado da sua parcela de eternidade, porque as pequenas cidades, em que ele vivia uma hora, e os jardins fechados por velhos muros, que ele atravessava, pareciam-lhe durar eternamente fora dele. E a cidadezinha crescia ao encontro da tripulação e se abria para ele. Fabien pensava nas amizades, na suavidade das moças, na intimidade das toalhas brancas, em tudo aquilo que lentamente preservamos para sempre. E a cidade quase deslizava pelas asas durante o voo rasante, revelando o mistério de seus jardins fechados cujos muros não protegiam mais. Mas, depois de aterrissar, Fabien percebeu que não havia visto nada, além do lento movimento de alguns homens entre as pedras. Essa cidade defendia, com a imobilidade apenas, o segredo de suas paixões. Ela interditava a suavidade: era preciso renunciar à ação para conquistá-la.

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