quinta-feira, 18 de maio de 2017

PILOTO DE GUERRA - 4

No fundo, o Estado-Maior parece um jogador de bridge a quem perguntaríamos, no cômodo ao lado:
— O que devo fazer com a minha dama de espadas?
O isolado daria de ombros. Nada tendo visto do jogo, o que responderia?
Mas um Estado-Maior não tem o direito de dar de ombros. Se ele ainda controla alguns elementos, deve fazê-los agir para mantê-los sob controle e para tentar todas as chances enquanto a guerra durar. Mesmo às cegas, ele deve agir e mandar agir.
Mas é difícil atribuir uma função, ao acaso, a uma dama de espadas. Nós já constatamos, primeiro com surpresa, depois como uma evidência que poderíamos ter previsto: quando começa o desabamento, falta trabalho. Consideramos o vencido submerso numa torrente de problemas, desgastando-se inteiramente para resolvê-los, sua infantaria, artilharia, seus tanques, aviões… Mas a derrota primeiro escamoteia os problemas. Nada mais se sabe do jogo. Não se sabe em que empregar os aviões, os tanques, a dama de espadas…
Nós descartamos casualmente a dama de espadas na mesa, depois de quebrar a cabeça para lhe atribuir um papel eficaz. Reina o mal-estar e não a febre. Somente a vitória se envolve na depois de quebrar a cabeça para lhe atribuir um papel eficaz. Reina o mal-estar e não a febre. Somente a vitória se envolve na febre. A vitória organiza, a vitória constrói. E cada um se esfalfa para carregar suas pedras.
Mas a derrota mergulha os homens numa atmosfera de incoerência, de tédio e, acima de tudo, de futilidade.
Pois, primeiramente, essas missões exigidas de nós são fúteis… Cada dia mais fúteis. Mais sangrentas e mais fúteis. Os que dão ordens não têm outros recursos para resistir a um deslizamento de montanha, só lhes resta jogar seus últimos trunfos na mesa.
Dutertre e eu somos trunfos e escutamos o comandante. Ele nos expõe o programa da tarde. Manda-nos sobrevoar, a setecentos metros de altitude, os tanques estacionados na região de Arras, na volta de um longo percurso a dez mil metros, com a mesma voz com que nos diria:
— Sigam então pela segunda rua à direita, até a esquina da primeira praça; tem lá uma tabacaria; comprem-me fósforos…
— Positivo, meu Comandante.
Nem mais nem menos útil, a missão. Nem mais nem menos lírica, a linguagem que a significa.
E digo: “Missão sacrificada”. Eu penso… Eu penso muitas coisas. Esperarei a noite, se estiver vivo, para refletir. Vivo… Quando uma missão está fácil, retorna uma a cada três. Quando é um pouco “chata”, fica mais difícil, evidentemente, voltar. E aqui, no gabinete do comandante, a morte não me parece nem augusta nem majestosa, nem heroica nem dilacerante. Ela é apenas um sinal de desordem. Um efeito da desordem. O Grupo vai nos perder, como se perdem bagagens numa confusão de conexões de estradas de ferro.
E não é que não pense sobre a guerra, sobre a morte, sobre o sacrifício, sobre a França, qualquer outra coisa, mas me falta um conceito diretor, uma linguagem clara. Penso por contradições. Minha verdade está em pedaços e só posso considerá-los um após o outro. Se estiver vivo, esperarei a noite para refletir. A noite bem-amada. À noite, a razão dorme, e simplesmente as coisas são. As que importam verdadeiramente retomam sua forma, sobrevivem às destruições das análises do dia. O homem reata seus pedaços e se torna árvore calma.
O dia é das cenas de briga, mas à noite, aquele que brigou reencontra o Amor. Pois o amor é maior do que o sopro das palavras. E o homem se debruça em sua janela, sob as estrelas, de novo responsável pelos filhos que dormem, pelo pão vindouro, pelo sono da esposa que repousa ali, tão frágil, delicada e passageira. O amor não se discute. Ele é. Que venha a noite e se mostre a mim alguma evidência que mereça o amor. Para que eu pense a civilização, o destino do homem, o gosto da amizade no meu país. Para que eu deseje servir a alguma verdade imperiosa, mesmo que, talvez, ainda inexprimível…
Por enquanto, pareço-me inteiramente com o cristão abandonado pela graça. Eu farei meu papel, com Dutertre, honestamente, isso é certo, mas como se salvam ritos que já não têm mais conteúdo, quando o deus se retirou deles. Esperarei a noite, se puder ainda viver, para andar um pouco a pé na grande estrada que atravessa nossa vila, envolvido em minha solidão bem-amada, a fim de nela reconhecer por que eu devo morrer.



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