Foi no
decorrer do ano maldito, do ano a que chamamos “O Festim do Sol”, porque o sol,
nesse ano, dilatou o deserto. Radiante sobre as areias entre as ossadas, os
espinheiros secos, as peles transparentes dos lagartos mortos e o capim ralo
dos camelos transformado em crinas. Aquele que faz crescer os caules das flores
havia devorado suas criaturas e reinava sobre os seus cadáveres dispersos, como
criança sobre os brinquedos que destruiu.
Absorveu
até as reservas subterrâneas e bebeu a água dos raros poços. Absorveu até o dourado
das areias, que se tornaram tão vazias, tão brancas, que batizamos a região com
o nome de Espelho. Porque um espelho não contém absolutamente nada e as imagens
que o recheiam não têm nem peso nem duração. Porque um espelho às vezes, como
um lago de sal, queima os olhos.
Os condutores de camelos, quando se perdem, se caem nessa
armadilha que nunca restituiu sua presa, a princípio não a reconhecem, porque
nada a distingue, e vão arrastando para lá, como uma sombra ao sol, o fantasma
da sua presença. Colados a esse rastro de luz pensam que estão em marcha, já
engolidos pela eternidade pensam que estão vivos. Puxam sua caravana até onde
esforço algum prevalece contra a inércia da planície. Marchando para um poço
que não existe, gozam o frescor do crepúsculo, que agora já não passa de inútil
adiamento. Talvez se queixem, pobres ingênuos, da lentidão das noites, quando
pouco falta para que as noites passem sobre eles como piscar de olhos. E, se
ofendendo uns aos outros com suas vozes guturais, por pequenas injustiças, mal
sabem que para eles, já justiça se fez.
Pensas que ali uma caravana se apressa? Espera passar
vinte séculos e vem ver de novo!
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