sexta-feira, 5 de maio de 2017

CORREIO SUL - PARTE 2

          Toulouse, 5h30. 
         O carro do aeroporto para exatamente à entrada do hangar aberto sobre a noite chuvosa. Lâmpadas de quinhentas velas mostram os objetos duros, nus, precisos como os de uma vitrine. Cada palavra pronunciada sob essa cúpula repercute, prolonga-se, povoa o silêncio. 
         Alumínio brilhando, motor limpo: o avião parece novo. Relojoaria sutil, onde trabalham mecânicos de dedos mágicos, que, uma vez concluída a obra, separam-se dela. 
         — Apressemo-nos, senhores, apressemo-nos... 
         Mala por mala, o correio mergulha no ventre do aparelho. 
         Verificação rápida: 
         — Buenos Aires... Natal... Dacar... Casablanca... Dacar... Trinta e nove malas. Exato? 
         — Exato. O piloto se veste. Pulôver, lenço no pescoço, macacão de couro, botas forradas. Seu corpo adormecido pesa. Uma voz o chama: “Vamos! Apressemo-nos!” Ergue-se, pesado e sem jeito até o posto de pilotagem, com os dedos entorpecidos nas luvas espessas, as mãos embaraçadas com o relógio, o altímetro, o mapa. Escafandrista fora de seu elemento. Mas, uma vez no lugar, tudo se torna leve.
         Um mecânico dirige-se a ele: 
         — Seiscentos e trinta quilos. 
         — Está bem. E passageiros? 
         — Três. Registra-os sem os ver. 
         Dando meia-volta, o chefe de pista dirige-se aos ajudantes: 
         — Quem aparafusou a capota? 
         — Eu. 
         — Vinte francos de multa. 
         O chefe de pista lança um último olhar: tudo em ordem absoluta, todos os gestos regulados como para um balé. O avião tem um lugar exato no hangar, tal como, dentro de cinco minutos, o terá no espaço. O voo é tão bem calculado quanto o lançamento de um navio. Um parafuso que falta é um erro flagrante. Lâmpadas de quinhentas velas, olhares atentos, um pouco de dureza, tudo colabora para que o voo lançado de escala em escala, até Buenos Aires ou Santiago do Chile, seja um efeito de balística, e não uma obra do acaso. Para que, apesar das tempestades, das brumas, das ventanias, apesar das mil armadilhas da válvula, do basculador, da matéria, os expressos, comboios, cargueiros e vapores sejam atingidos, distanciados, superados! E para alcançar, num tempo recorde, Buenos Aires ou Santiago do Chile. 
         — Motores em marcha.
         O piloto Bernis recebe um papel: o plano de batalha.
         Bernis lê:
         Perpignan assinala céu claro, vento nulo. Barcelona: tempestade. Alicante...
         Toulouse, 5h45. 
         As rodas possantes esmagam os calços. A erva até vinte metros atrás parece fluir, batida pelo vento da hélice. Bernis, com um movimento do pulso, desencadeia ou retém o temporal.
         Agora, o barulho cresce, em sucessivos arrancos, até criar um ambiente denso, quase sólido, onde o corpo fica encerrado. Quando o piloto sente que esse ambiente preenche nele qualquer coisa até então insatisfeita, pensa: “Está bem.” Depois olha a capota negra apoiada no céu, em contraluz, como um morteiro. Uma paisagem de aurora tremula atrás da hélice.
         Depois de avançar lentamente com o vento de proa, Bernis puxa a alavanca da gasolina. Arrastado pela hélice, o avião avança. Amortecem-se os primeiros saltos no ar elástico; finalmente, o solo parece estender-se, luzir sob as rodas como uma correia. Considerando que o ar, de início impalpável, depois fluido, já se torna sólido, o piloto apoia-se nele e sobe.
         As árvores que margeiam a pista mostram o horizonte e escondem-se. A duzentos metros, o avião inclina-se ainda sobre uma aldeia de brinquedo, com árvores em linha reta, casas pintadas; as florestas conservam sua espessura de tapete: terra habitada...
         Bernis procura a inclinação das costas e a posição exata do cotovelo necessárias ao seu bem-estar. Atrás dele, as nuvens baixas de Toulouse assemelham-se ao hall sombrio das estações. Agora, resiste com mais dificuldade ao avião, que procura subir, e deixa escapar um pouco a força que sua mão comprime. Com um movimento do punho, liberta o avião de cada onda que o levanta e que nele se propaga como uma onda. 
         

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