quarta-feira, 24 de maio de 2017

PILOTO DE GUERRA - PARTE 5

Acordo do meu sonho. O Comandante me surpreende com uma estranha proposta:
 — Se essa missão o aborrece demais, se você não se sentir muito em forma, posso…
 — Ora, meu Comandante!
O Comandante sabe muito bem que tal proposta é absurda. Mas, quando uma tripulação não volta, ele se lembra da gravidade dos rostos na hora da partida. Interpreta essa gravidade como sinal de um pressentimento. Culpa-se por tê-la negligenciado.
O escrúpulo do Comandante me faz pensar no Israel. Eu estava fumando antes de ontem, na janela da sala de informações. Quando vi o Israel da minha janela, ele andava rapidamente. Seu nariz estava vermelho. Um nariz grande, bem judeu e bem vermelho. Fiquei bruscamente chocado com o nariz vermelho do Israel.
Eu tinha por esse Israel, cujo nariz estava observando, uma profunda amizade. Era um dos camaradas pilotos mais corajosos do grupo. Um dos mais corajosos e um dos mais modestos. Tinham-lhe falado tanto da prudência judia que ele devia tomar sua coragem por prudência. É prudente ser vencedor.
Então, reparei no seu nariz grande e vermelho, que brilhou apenas um instante, dada a rapidez dos passos que levavam Israel e seu nariz. Sem querer zombar, voltei-me a Gavoille:
 — Por que ele está fazendo aquele nariz?
 — Foi a mãe dele quem o fez — respondeu Gavoille.
Mas acrescentou:
 — Estranha essa missão em baixa altitude. — E saiu. —
Ah!
E, claro, eu me lembrei, à noite, quando deixamos de esperar o retorno do Israel, daquele nariz que, plantado num rosto totalmente impassível, exprimia, com uma espécie de gênio próprio, a mais pesada das preocupações. Se eu precisasse ter ordenado a partida do Israel, a imagem daquele nariz me teria perseguido muito tempo, como uma recriminação. Israel, decerto, nada respondera à ordem de partida, senão: “Positivo, Comandante. Sim senhor, Comandante”. Israel, decerto, não tremera um único músculo do rosto. Mas, devagar, insidiosa e traiçoeiramente, seu nariz acendeu. Israel poderia contrair os traços de seu rosto, mas não a cor de seu nariz. E seu nariz abusara daquela cor para manifestar-se, por sua conta, no silêncio. O nariz, à revelia de Israel, exprimira ao comandante sua forte desaprovação.
Talvez seja por isso que o Comandante não goste de mandar partir os que imagina estarem assolados de pressentimentos. Os pressentimentos quase sempre enganam, mas dão às ordens de guerra um tom de condenação. Alias é um chefe, não um juiz.
Assim, outro dia, a respeito do suboficial T.
Tanto quanto Israel era corajoso, T. era acessível ao medo. É o único homem que conheci que experimentou de fato o medo. Quando se dava a T. uma ordem de guerra, provocava-se nele uma estranha ascensão de vertigem. Era alguma coisa simples, inexorável e lenta. T. enrijecia lentamente dos pés à cabeça. Seu rosto ficava como que lavado de qualquer expressão. E seus olhos começavam a luzir.
Ao contrário do Israel, cujo nariz me parecera tão aflito, aflito pela provável morte do Israel e ao mesmo tempo muito irritado, T. não formava movimentos interiores. Ele não reagia: ele entrava em mutação. Quando se terminava de falar com T., descobria-se ter simplesmente acendido nele a angústia. A angústia começava por expandir em seu rosto uma espécie de claridade uniforme. T., desde então, ficava como que fora de alcance. Sentia-se aumentar entre o universo e ele um deserto de indiferença. Em lugar algum, jamais conheci, em ninguém no mundo, essa forma de êxtase.
— Nunca deveria tê-lo deixado partir naquele dia — dizia mais tarde o Comandante.
Naquele dia, quando o Comandante anunciara a partida a T., ele não havia somente empalidecido, mas também começara a sorrir. Simplesmente sorrir. Assim fazem, talvez, os supliciados quando o carrasco, realmente, passa dos limites.
 — Você não está bem. Vou substituí-lo…
— Não, não Comandante. Já que é a minha vez, é a minha vez.
E T., em continência diante do Comandante, olhava para a frente, sem um movimento.
 — Mas se você não se sente seguro de si…
— É minha vez, Comandante, é minha vez.
 — Vejamos, T…
 — Comandante… O homem parecia um bloco. E Alias:
— Então o deixei partir.
O que se seguiu nunca teve explicação. T., metralhador a bordo do aparelho, sofreu a tentativa de ataque por parte de um caça inimigo. Mas as metralhadoras do caça tendo travado, este deu meia-volta. O piloto e T. se falaram até quando próximos do terreno da base, sem que o piloto notasse nada de anormal. Mas a cinco minutos da chegada, não teve mais resposta.

E encontramos T. à noite, com o crânio fraturado pela empenagem do avião. Ele saltara de paraquedas em condições desastrosas, em plena velocidade, e isso sobre território amigo, quando nenhum perigo o ameaçava mais. A passagem do caça funcionara como um apelo irresistível.


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