Acordo do meu sonho. O
Comandante me surpreende com uma estranha proposta:
— Se essa missão o aborrece demais, se você
não se sentir muito em forma, posso…
— Ora, meu Comandante!
O Comandante sabe muito
bem que tal proposta é absurda. Mas, quando uma tripulação não volta, ele se
lembra da gravidade dos rostos na hora da partida. Interpreta essa gravidade
como sinal de um pressentimento. Culpa-se por tê-la negligenciado.
O escrúpulo do Comandante
me faz pensar no Israel. Eu estava fumando antes de ontem, na janela da sala de
informações. Quando vi o Israel da minha janela, ele andava rapidamente. Seu
nariz estava vermelho. Um nariz grande, bem judeu e bem vermelho. Fiquei
bruscamente chocado com o nariz vermelho do Israel.
Eu tinha por esse Israel,
cujo nariz estava observando, uma profunda amizade. Era um dos camaradas
pilotos mais corajosos do grupo. Um dos mais corajosos e um dos mais modestos.
Tinham-lhe falado tanto da prudência judia que ele devia tomar sua coragem por
prudência. É prudente ser vencedor.
Então, reparei no seu
nariz grande e vermelho, que brilhou apenas um instante, dada a rapidez dos
passos que levavam Israel e seu nariz. Sem querer zombar, voltei-me a Gavoille:
— Por que ele está fazendo aquele nariz?
— Foi a mãe dele quem o fez — respondeu
Gavoille.
Mas acrescentou:
— Estranha essa missão em baixa altitude. — E
saiu. —
Ah!
E, claro, eu me lembrei,
à noite, quando deixamos de esperar o retorno do Israel, daquele nariz que,
plantado num rosto totalmente impassível, exprimia, com uma espécie de gênio
próprio, a mais pesada das preocupações. Se eu precisasse ter ordenado a
partida do Israel, a imagem daquele nariz me teria perseguido muito tempo, como
uma recriminação. Israel, decerto, nada respondera à ordem de partida, senão:
“Positivo, Comandante. Sim senhor, Comandante”. Israel, decerto, não tremera um
único músculo do rosto. Mas, devagar, insidiosa e traiçoeiramente, seu nariz acendeu.
Israel poderia contrair os traços de seu rosto, mas não a cor de seu nariz. E
seu nariz abusara daquela cor para manifestar-se, por sua conta, no silêncio. O
nariz, à revelia de Israel, exprimira ao comandante sua forte desaprovação.
Talvez seja por isso que
o Comandante não goste de mandar partir os que imagina estarem assolados de
pressentimentos. Os pressentimentos quase sempre enganam, mas dão às ordens de
guerra um tom de condenação. Alias é um chefe, não um juiz.
Assim, outro dia, a
respeito do suboficial T.
Tanto quanto Israel era
corajoso, T. era acessível ao medo. É o único homem que conheci que
experimentou de fato o medo. Quando se dava a T. uma ordem de guerra,
provocava-se nele uma estranha ascensão de vertigem. Era alguma coisa simples,
inexorável e lenta. T. enrijecia lentamente dos pés à cabeça. Seu rosto ficava
como que lavado de qualquer expressão. E seus olhos começavam a luzir.
Ao contrário do Israel,
cujo nariz me parecera tão aflito, aflito pela provável morte do Israel e ao
mesmo tempo muito irritado, T. não formava movimentos interiores. Ele não
reagia: ele entrava em mutação. Quando se terminava de falar com T.,
descobria-se ter simplesmente acendido nele a angústia. A angústia começava por
expandir em seu rosto uma espécie de claridade uniforme. T., desde então,
ficava como que fora de alcance. Sentia-se aumentar entre o universo e ele um
deserto de indiferença. Em lugar algum, jamais conheci, em ninguém no mundo,
essa forma de êxtase.
— Nunca deveria tê-lo
deixado partir naquele dia — dizia mais tarde o Comandante.
Naquele dia, quando o
Comandante anunciara a partida a T., ele não havia somente empalidecido, mas
também começara a sorrir. Simplesmente sorrir. Assim fazem, talvez, os
supliciados quando o carrasco, realmente, passa dos limites.
— Você não está bem. Vou substituí-lo…
— Não, não Comandante. Já
que é a minha vez, é a minha vez.
E T., em continência
diante do Comandante, olhava para a frente, sem um movimento.
— Mas se você não se sente seguro de si…
— É minha vez,
Comandante, é minha vez.
— Vejamos, T…
— Comandante… O homem parecia um bloco. E
Alias:
— Então o deixei partir.
O que se seguiu nunca
teve explicação. T., metralhador a bordo do aparelho, sofreu a tentativa de
ataque por parte de um caça inimigo. Mas as metralhadoras do caça tendo
travado, este deu meia-volta. O piloto e T. se falaram até quando próximos do
terreno da base, sem que o piloto notasse nada de anormal. Mas a cinco minutos
da chegada, não teve mais resposta.
E encontramos T. à noite,
com o crânio fraturado pela empenagem do avião. Ele saltara de paraquedas em
condições desastrosas, em plena velocidade, e isso sobre território amigo,
quando nenhum perigo o ameaçava mais. A passagem do caça funcionara como um
apelo irresistível.
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